FOTO: Márcia Ribeiro |
Adriele Cristina Rodrigues
Mato
Grosso, e principalmente a capital Cuiabá, tem em suas raízes históricas muita
fé, ouro, disputas políticas e famílias tradicionais. Nos séculos XIX e até
meados do século XX era comum encontrar na capital pequenos aglomerados de
fervorosos praticantes da discussão política. Esses grupos não apenas
discutiam, como mudavam os rumos das decisões regionais.
Com
os investimentos agrícolas e os planos de integração do Centro Oeste ao resto
do país muitos migrantes viram uma oportunidade de ganhar dinheiro. E assim,
Cuiabá, como as demais regiões do Centro Oeste, passaram a receber muitas
pessoas. A capital, principalmente a partir das décadas de 70 e 80, dá um salto
populacional.
Os
grupos políticos, como consequência desse crescimento, passaram a se alterar. Não
havia mais a mesma tranquilidade para se reunir nas praças e a politica passou
a ser de interesse de muitas pessoas, não mais pequenos grupos, normalmente de
elite, discutiam e decidiam sobre os rumos políticos da capital.
De
uma cidade tradicionalmente politicista Cuiabá passa a ser globalizada, tendo uma
grande parte da população pouco interessada em discutir sobre a política da
capital. Hoje, as pessoas não têm mais tempo e talvez nem lugares ao ar livre
seguro para conversar sobre o assunto. As tecnologias de informação e
comunicação acabam por tomar o tempo “ocioso” que ainda nos resta em meio ao
caos do trânsito.
Um
olhar de um menos atento pode acreditar que as tais reuniões que definiam os
rumos da capital se findaram definitivamente. Mas a resposta é não. Em meio ao
fluxo das pessoas no Centro da cidade se vê, em uma garagem ao lado da
Prefeitura, senhores que vão na contramão desse andar incessante.
Lá
está o famoso Senadinho, apelidado carinhosamente com esse nome por ser um
desses grupos que discutem sobre a política. Senhores que pararam o tempo, construindo
e sustentando uma Cuiabá tradicional dentro de outra Cuiabá que cresce. Um
território simbólico dentro de outro.
Utilizo
o conceito de território de Souza, que afirma que “todo espaço definido e
delimitado por e a partir de relações de poder é um território, do quarteirão
aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos países
membros da OTAN”. (SOUZA, 2001, p.11).
Quando
falamos aqui de relações de poder queremos explanar o poder simbólico exercido
por esses senhores do Senadinho. Esse poder é simbólico porque não é mais
aquele poder exercido pelos grupos políticos de décadas passadas. O poder
desses senhores está na sua simbolização.
Quando
conversei com um senhor, já com 87 anos, ele me apontou: “Aqui a gente discute
sobre política. Todos os governadores do Estado tem que passar por aqui. O
único que ainda não passou foi o Silval Barboza, o que não é bom para ele”.
Essa fala mostra bem o quando os políticos eleitos buscam uma legitimação desse
grupo. E sabe por quê? A experiência e a tradição.
“Os
governantes tem que vir aqui para ouvir as nossas experiências de vida, muitos
aqui já foram políticos. E os que não vêm a gente fala mal mesmo. A cuiabania
tem que saber quem elege”, fala o senhor com o qual conversei. Essa afirmação
mostra o poder simbólico exercido pelo Senadinho dentro do poder instituído do
Estado, se tornando um território autônomo.
Segundo
Souza (2001) território autônomo é aquele que não possui um poder centralizador,
mas sim um território onde as pessoas são livres para manifestar e modificar as
“verdades” de tal espaço. Ainda para o autor esses territórios autônomos são
essenciais para uma maior liberdade e menor desigualdade.
[...] as forças econômicas, políticas e
culturais, reciprocamente relacionadas, efetivam um território, um processo
social, no (e com o) espaço geográfico, centrado e emanado na e da territorialidade
cotidiana dos indivíduos, em diferentes
centralidades/temporalidades/territorialidades. A apropriação é econômica,
política e cultural, formando territórios heterogêneos e sobrepostos fundados
nas contradições sociais. (SAQUET, 2003, p.28).
É
tomando como base esse conceito de território autônomo que o Senadinho é mais
que um espaço na garagem, mas sim um território que ainda modifica, tal como os
grupos políticos do século passado, as relações políticas, culturais e até
econômicas da capital. Sendo este um espaço livre para a liberdade e discussão.
Um território rico de ideias.
Podemos
denominar o Senadinho de território também sob o aspecto da confraternização.
Os senhores se reúnem há mais de 40 anos, no mesmo lugar, seguindo os mesmos
ritos e com as mesmas pessoas. Os senhores são a população de seu território, o
Senadinho depende da vontade de confraternização deles.
A formação de um
território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua participação,
provocando o sentido da territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência
de confraternização entre elas. (ANDRADE, 1995, p. 20).
Até mesmo o
estar-junto dos senhores do Senadinho está ligado, de alguma maneira, às
relações de poder simbólico. Na conversa que tive com o senhor de 87 anos foi
possível observar essa característica:
Senhor: De qual a família a senhorita é?
Eu: Como assim família?
Senhor: Sobrenome, não é. Aqui no Senadinho só temos
senhores de família tradicional cuiabana.
Esse discurso mostra
o poder simbólico em cima da tradição do sobrenome. Analisando tal conversa
podemos notar que um dos motivos do estar-junto desses senhores é a tradição do
nome, e é como se essa tradição exigisse desses uma ação maior dentro das
tomadas de decisão da capital.
Outro poder simbólico
exercido pelo Senadinho também pode ser observado no seguinte discurso:
Eu: O senhor já viu que ali na Praça Alencastro se reúne
um grupo de senhores também?
Senhor: É, já ouvi falar. Mas eles não são de tradição
que nem a gente. Aqui se discute sobre política mesmo, tanto é que os políticos
só vêm aqui.
Eu: Mas por que vocês não chamam eles para participar
aqui do Senadinho?
Senhor: Não, não. Nós aqui nos reunimos há muito tempo.
Aqui é o Senadinho, lá é a Camarazinha. (risos)
Nessa fala podemos
notar que o Senadinho adquiriu um poder simbólico primeiramente pela tradição
de suas famílias e depois pelo poder de estarem confraternizados. De toda
maneira, nas falas desse senhor do qual conversei, podemos observar um
território chamado Senadinho.
Esse poder simbólico
reflete, e muito bem, os grupos políticos que dominavam os rumos
da capital nos séculos passados. Um território perfeito para quem quer estudar
e entender as perspectivas históricas de Cuiabá.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia. A questão do território
no Brasil. São Paulo: Hucitec; Recife: IPESPE, 1995.
SAQUET, Marcos Aurélio. O território:
diferentes interpretações na literatura italiana. In: RIBAS, A. D.; SPOSITO, E.
S.; SAQUET, M. A. Território e Desenvolvimento: diferentes abordagens.
Francisco Beltrão: Unioeste, 2004.
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território:
sobre espaço e poder. Autonomia e desenvolvimento. In CASTRO, I. E. de; GOMES,
P. C. da C.; CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2001, p.77-116.
Meio Ambiente de Cuiabá. Disponível em <http://www.achetudoeregiao.com.br/MT/cuiaba/historia.htm> Acessado em 20
de julho de 2013.
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