terça-feira, 30 de julho de 2013

SENADINHO: Um território simbólico


FOTO: Márcia Ribeiro


Adriele Cristina Rodrigues

Mato Grosso, e principalmente a capital Cuiabá, tem em suas raízes históricas muita fé, ouro, disputas políticas e famílias tradicionais. Nos séculos XIX e até meados do século XX era comum encontrar na capital pequenos aglomerados de fervorosos praticantes da discussão política. Esses grupos não apenas discutiam, como mudavam os rumos das decisões regionais.
Com os investimentos agrícolas e os planos de integração do Centro Oeste ao resto do país muitos migrantes viram uma oportunidade de ganhar dinheiro. E assim, Cuiabá, como as demais regiões do Centro Oeste, passaram a receber muitas pessoas. A capital, principalmente a partir das décadas de 70 e 80, dá um salto populacional.
Os grupos políticos, como consequência desse crescimento, passaram a se alterar. Não havia mais a mesma tranquilidade para se reunir nas praças e a politica passou a ser de interesse de muitas pessoas, não mais pequenos grupos, normalmente de elite, discutiam e decidiam sobre os rumos políticos da capital.
De uma cidade tradicionalmente politicista Cuiabá passa a ser globalizada, tendo uma grande parte da população pouco interessada em discutir sobre a política da capital. Hoje, as pessoas não têm mais tempo e talvez nem lugares ao ar livre seguro para conversar sobre o assunto. As tecnologias de informação e comunicação acabam por tomar o tempo “ocioso” que ainda nos resta em meio ao caos do trânsito.
Um olhar de um menos atento pode acreditar que as tais reuniões que definiam os rumos da capital se findaram definitivamente. Mas a resposta é não. Em meio ao fluxo das pessoas no Centro da cidade se vê, em uma garagem ao lado da Prefeitura, senhores que vão na contramão desse andar incessante.
Lá está o famoso Senadinho, apelidado carinhosamente com esse nome por ser um desses grupos que discutem sobre a política. Senhores que pararam o tempo, construindo e sustentando uma Cuiabá tradicional dentro de outra Cuiabá que cresce. Um território simbólico dentro de outro.
Utilizo o conceito de território de Souza, que afirma que “todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN”. (SOUZA, 2001, p.11).
Quando falamos aqui de relações de poder queremos explanar o poder simbólico exercido por esses senhores do Senadinho. Esse poder é simbólico porque não é mais aquele poder exercido pelos grupos políticos de décadas passadas. O poder desses senhores está na sua simbolização.
Quando conversei com um senhor, já com 87 anos, ele me apontou: “Aqui a gente discute sobre política. Todos os governadores do Estado tem que passar por aqui. O único que ainda não passou foi o Silval Barboza, o que não é bom para ele”. Essa fala mostra bem o quando os políticos eleitos buscam uma legitimação desse grupo. E sabe por quê? A experiência e a tradição.
“Os governantes tem que vir aqui para ouvir as nossas experiências de vida, muitos aqui já foram políticos. E os que não vêm a gente fala mal mesmo. A cuiabania tem que saber quem elege”, fala o senhor com o qual conversei. Essa afirmação mostra o poder simbólico exercido pelo Senadinho dentro do poder instituído do Estado, se tornando um território autônomo.
Segundo Souza (2001) território autônomo é aquele que não possui um poder centralizador, mas sim um território onde as pessoas são livres para manifestar e modificar as “verdades” de tal espaço. Ainda para o autor esses territórios autônomos são essenciais para uma maior liberdade e menor desigualdade.
[...] as forças econômicas, políticas e culturais, reciprocamente relacionadas, efetivam um território, um processo social, no (e com o) espaço geográfico, centrado e emanado na e da territorialidade cotidiana dos indivíduos, em diferentes centralidades/temporalidades/territorialidades. A apropriação é econômica, política e cultural, formando territórios heterogêneos e sobrepostos fundados nas contradições sociais. (SAQUET, 2003, p.28).
É tomando como base esse conceito de território autônomo que o Senadinho é mais que um espaço na garagem, mas sim um território que ainda modifica, tal como os grupos políticos do século passado, as relações políticas, culturais e até econômicas da capital. Sendo este um espaço livre para a liberdade e discussão. Um território rico de ideias.
Podemos denominar o Senadinho de território também sob o aspecto da confraternização. Os senhores se reúnem há mais de 40 anos, no mesmo lugar, seguindo os mesmos ritos e com as mesmas pessoas. Os senhores são a população de seu território, o Senadinho depende da vontade de confraternização deles.
A formação de um território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentido da territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre elas. (ANDRADE, 1995, p. 20).
Até mesmo o estar-junto dos senhores do Senadinho está ligado, de alguma maneira, às relações de poder simbólico. Na conversa que tive com o senhor de 87 anos foi possível observar essa característica:
Senhor: De qual a família a senhorita é?
Eu: Como assim família?
Senhor: Sobrenome, não é. Aqui no Senadinho só temos senhores de família tradicional cuiabana.
Esse discurso mostra o poder simbólico em cima da tradição do sobrenome. Analisando tal conversa podemos notar que um dos motivos do estar-junto desses senhores é a tradição do nome, e é como se essa tradição exigisse desses uma ação maior dentro das tomadas de decisão da capital.
Outro poder simbólico exercido pelo Senadinho também pode ser observado no seguinte discurso:
Eu: O senhor já viu que ali na Praça Alencastro se reúne um grupo de senhores também?
Senhor: É, já ouvi falar. Mas eles não são de tradição que nem a gente. Aqui se discute sobre política mesmo, tanto é que os políticos só vêm aqui.
Eu: Mas por que vocês não chamam eles para participar aqui do Senadinho?
Senhor: Não, não. Nós aqui nos reunimos há muito tempo. Aqui é o Senadinho, lá é a Camarazinha. (risos)
Nessa fala podemos notar que o Senadinho adquiriu um poder simbólico primeiramente pela tradição de suas famílias e depois pelo poder de estarem confraternizados. De toda maneira, nas falas desse senhor do qual conversei, podemos observar um território chamado Senadinho.
Esse poder simbólico reflete, e muito bem, os grupos políticos que dominavam os rumos da capital nos séculos passados. Um território perfeito para quem quer estudar e entender as perspectivas históricas de Cuiabá.



Referências

ANDRADE, Manuel Correia. A questão do território no Brasil. São Paulo: Hucitec; Recife: IPESPE, 1995.

SAQUET, Marcos Aurélio. O território: diferentes interpretações na literatura italiana. In: RIBAS, A. D.; SPOSITO, E. S.; SAQUET, M. A. Território e Desenvolvimento: diferentes abordagens. Francisco Beltrão: Unioeste, 2004.

SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder. Autonomia e desenvolvimento. In CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p.77-116.

Meio Ambiente de Cuiabá. Disponível em <http://www.achetudoeregiao.com.br/MT/cuiaba/historia.htm> Acessado em 20 de julho de 2013.

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