Jone Luiz C. da Costa.
A intervenção ocorreu em dois locais
distintos, o primeiro no “senadinho” que funciona em uma garagem, próximo à
prefeitura de Cuiabá, onde ocorre uma reunião de senhores que outrora ocuparam
cargos importantes na cidade e que se reúnem diariamente pela manhã para
discutirem assuntos diversos. O segundo ocorreu na Praça da República onde foi
criada a “república do cochilo”, o que se deu por volta do meio-dia. Em outro
momento, ainda na praça, foi estendido um varal no qual seriam colocados
cartazes escritos pelos participantes com mensagens que gostariam que se tornassem
reais e semelhantemente foi disposta uma bacia com água onde seriam colocados
cartazes com mensagens que as pessoas gostariam que não acontecessem.
Ao me reunir com o grupo da
intervenção na praça Alencastro pela manhã, afim de preparar e dar inicio à
primeira intervenção, percebi coisas que outrora não me chamavam a atenção, as
coisas e pessoas que antes se apresentavam como um pano de fundo, agora estavam
em primeiro plano – era a imagem de um
homem dormindo sentado, de um grupo de jovens logo cedo já reunidos, alguns
senhores conversando com muita intimidade, um veículo todo enfeitado que
encontrava-se estacionado próximo, e essa percepção diferenciada não terminou
ali.
Foto1: local de encontro marcado, para
dar inicio às intervenções.
Iniciando
a intervenção, o deslocamento até ao senadinho, o que se deu com todos utilizando
"sombrinhas", gerou uma imagem profunda que até hoje me faz refletir
e, melhor que isso, foi bom perceber que pessoas que observavam esse
deslocamento foram indagados, em seu interior, a refletirem sobre as práticas
políticas e sociais em que vivem – neste momento nossos objetivos começaram a
ser realizados, semelhante às práticas desenvolvidas pelos situacionistas.
REY aborda o assunto dos
deslocamentos e em especial a caminhada e seus efeitos provocados nos territórios
e nas pessoas envolvidas.
Do nomadismo primitivo
das Rochas de Carnac ao Dada, depois do Surrealismo à Land Art, a caminhada e o
trajeto são tomados enquanto experiência profunda, capaz de operar
simbolicamente tanto nos territórios quanto no imaginário e na subjetividade
dos indivíduos. REY, 2010, p.110)
As percepções durante a intervenção
no senadinho continuaram diferentes
tanto para os que participavam quanto aos que observavam o acontecimento. Não
me aprofundarei nesta intervenção, me atentarei ao acontecimento realizado na
praça da república, a intervenção república
do cochilo.
Ao instalarmos as
redes e colchões no local, propondo aos que se encontravam ou passavam pela
praça um momento de descanso, alguns referenciais mudaram, o que na caminhada
se percebera estando em movimento, neste momento se inverteu, o ponto de
observação se tornou de certa forma fixo e o ambiente é que se encontrava em um
movimento de mudança, o que ocorria pelo fluxo de pessoas que passavam ou
utilizavam o local. Rey relata sobre mudanças que acontecem relacionados ao
espaço-tempo do objeto observado.
(...) A experiência promovida pelos deslocamentos nas paisagens, e
apresentada enquanto memória nos arquivos de deslocamentos, parece
levantar problemáticas próprias das relações de espaço-tempo. Em seguida, esse
modo operatório, que multiplica os dados do real em uma série de combinações
possíveis e não cessa de fazer com que a imagem se dobre sobre si mesma nos desDOBRAmentos
da paisagem,acaba por transformar a percepção dos fragmentos das paisagens
em um espaço sem topos, não localizável, mas aberto ao acontecimento.( REY, 2010, p.110)
Observando o que se passava, inúmeras
possibilidades do que poderia acontecer passava em minha imaginação. Em um dado
momento, quando eu estava instalando uma rede, uma adolescente que se
encontrava próximo me disse: “Você vai armar pra eu deitar?”, respondi que sim, e disse que ela poderia deitar,
assim que eu terminasse de amarrar a rede e fizesse o teste pra ver se a rede
estava bem presa, ela então respondeu: “Eu nunca deitei em uma rede”, neste
momento me vi pensando inúmeras possibilidades na relação que essa ação –deitar
em uma rede- poderia representar para menina.
Foto 2: intervenção República do cochilo. Na praça da
República.
Salles,
abordando o processo de criação artística, relata a fato do acontecimento do
imprevisto em uma obra, e por isso a aceitação da possibilidade de esta poder ser
realizada de inúmeras formas. Fazendo uma ligação ao fato descrito
anteriormente, podemos facilmente considerar os multiformes modos em que a
garota faria da rede.
Aceitar a intervenção do
imprevisto implica em compreender que o artista poderia ter feito aquela obra
de modo diferente daquele que fez. Admite-se, assim, que outras obras teriam
sido possíveis. (SALLES, 2011, p.42)
Considerando
essas possibilidades, notamos que elas se estendem a todos os momentos de uma
intervenção; talvez seja esse um dos fatos pelo qual o olhar, o perceber se
modifica, e traz consigo uma inquietude que não termina ali, mas que vez por
outra retorna. Nas intervenções, ao estar do lado dos que as propuseram, na
intenção de promover situações que pudessem afetar as pessoas no sentido de
provocar questionamentos, o que acredito ter sido realizado, me senti, no
entanto, durante todo processo, na posição de agente passivo do que ativo, pois
a todo momento os acontecimentos me afetavam. E dessa maneira, em se falando de
intervenções, acredito na existência de uma ação recíproca, em que as funções
de agentes passivos e ativos fazem parte de todos envolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REY,
Sandra. Caminhar; experiência estética, desdobramento virtual.(tradução:
Daniela Kern). In revista Porto Arte, Porto Alegre,2010.
SALLES, C. O
Gesto Inacabado: Processo de criação artística. São Paulo, Annablume,
3º edição, 2007.
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