Neemias Souza Alves
Nas cidades grandes nota-se uma paisagem
diferente daquela das cidades do interior. Enquanto a primeira apresenta um
trânsito abarrotado de carros, motos, e pedestres na segunda percebe-se poucos veículos
pelas ruas e a maioria das pessoas andam a pé ou de bicicleta. Na cidade grande
estão realçados os edifícios, avenidas e grandes centros comerciais; enquanto
que na cidade pequena tem-se poucos prédios, as ruas são estreitas e pequenos
comércios estão espalhados pela cidade. Essas características refletem modos de
vida diferentes.
Na cidade grande tudo é muito acelerado.
As pessoas estão cada vez mais atarefadas e as suas necessidades não cabem no seu
tempo. Corre-se de um lugar a outro em um ritmo que transforma a vida em
atividades obrigatórias. Seres humanos tornaram-se escravos do tempo e do
trabalho.
A velocidade com que tudo acontece torna
mecânico e desatento o nosso olhar sobre a cidade, o que acabou sendo revelado
no desenvolvimento de uma atividade de intervenção na Praça da República, na
cidade de Cuiabá, quando alunos do mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea,
orientados pela professora[1] da
disciplina de Tópicos Especiais em
Poéticas Contemporâneas II: Atrações temporárias: práticas estéticas em espaços
urbanos, criaram um ambiente de descanso público, recuperando a ideia da
cesta, e que foi denominado de República do Cochilo. Importa entender a praça
como um:
[...] lugar
intencional do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de práticas
sociais, de manifestações da vida urbana e comunitária e de prestígio, e, consequentemente
de funções estruturantes e arquiteturas significativas. Lamas (1993, p. 102)
Esta intervenção ocorreu durante o
período matutino e vespertino de uma sexta-feira e configurou-se como uma
experiência de deriva.
Uma ou várias pessoas que se
lançam na deriva renunciam durante um tempo, mais ou menos longo, aos motivos
para se deslocar ou agir normalmente em suas relações de trabalho e lazer
habituais, para se deixar conduzir pelas solicitações do terreno e pelos
encontros que a ele correspondem. Rey apud Debord (2010, p. 111)
Assim
foi possível perceber que a capital de Mato Grosso, que apresenta hoje uma
população de mais de 550 mil habitantes e vive em ritmo acelerado, é ainda um
lugar com ares de simplicidade, onde o morador de rua ganhou visibilidade,
assim como também as pessoas idosas que encontram nos bancos da praça um espaço
de conversação. Alunos que nos
transcurso entre casa e escola, acomodam-se pelas muretas e bancos como quem
chega em seu território próprio e seguro. Impossível
também não perceber os casais de namorados que fazem do lugar um ponto de
encontro. Contudo, eles não pareciam viver as paixões da cidade e do lugar.
Tudo parecia monótono, o que nos remete aos situacionistas que valorizam o meio
urbano como terreno de ação, de produção
de novas formas de intervenção e de luta contra a monotonia, ou ausência de
paixão, da vida cotidiana moderna. Jacques (2002, p. 1)
A intervenção estimulou a participação e
convidou os sujeitos da praça a manifestarem-se, por escrito, a respeito de
diferentes questões. Assim tivemos o Varal do Falatório, onde pessoas
registraram desejos e pensamentos que estavam acomodados em seu íntimo. Tais
manifestações retrataram demandas que estavam acomodadas a um lugar de não declaração.
A atividade permitiu a exposição de sentimentos permeados de grandes angustias,
e que foram expressos em palavras chaves, tais como: desigualdade, prepotência,
dinheiro, gula, fome, inveja, machismo, amor, etc.
Essa atividade rompeu com o momento de não
participação dos cidadãos na construção da cidade, considerando que Cuiabá vive
um processo de acelerada urbanização, o que, futuramente exigirá um espírito de
interpretação a partir do que apresenta Paola Berenstein Jacques[2]:
[...] estamos hoje, em um momento de crise da
própria noção de cidade, que se torna visível principalmente através das idéias
(sic) de não-cidade: seja por congelamento - cidade-museu e patrimonialização
desenfreada - seja por difusão - cidade genérica e urbanização generalizada. (idem)
A partir desta experiência, a praça que
víamos sempre pela janela do carro e/ou ônibus e que era o espaço do não-lugar não cria nem identidade singular nem relação, mas
sim solidão e similitude conforme descreve Marc
Augé (ano, p. 95)
tornou-se espaço de congregação e participação.
Em
mesma oportunidade, visitamos um grupo de cuiabanos tradicionais que estão instalados
próximo à Praça da República, cujo objetivo é discutir a política local e nacional,
e que se auto intitula de "os defensores das reminiscências
cuiabanas". O local é denominado de Senadinho.
A turma do Senadinho é composta por um grupo de 31
pessoas, aposentados e representantes de diversas áreas do segmento econômico e
social de Cuiabá. Há mais de 40 anos eles se reúnem na garagem da casa de
Oriente Tenuta, o fundador, já falecido. A esposa de Oriente Tenuta, dona Elza
Tenuta, é a presidente e única a mulher do grupo.[3]
Esse
grupo contrasta com os sujeitos da praça. Eles já não estão na condição de simples espectadores a construtores,
transformadores e "vivedores" de seus próprios espaços, o que
contrariaria qualquer tipo de espetacularização urbana. Jacques (2002, p. 5) Os
contrastes advindos da participação sócio-política das pessoas e grupos que
vivem a cidade mostram-se mais visíveis quando há disposição para a conversa e
para a vivência das paixões, é o que ocorre com
grupo do Senadinho.
A
praça se mostrou como local de transeuntes e de pessoas que fazem dela um lugar
transitório ou permanente. A intervenção foi efêmera mas nem por isso deixou de
gerar ressonâncias.
BIBLIOGRAFIA
AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução
a uma antropologia da supermodernidade. PEREIRA, Maria Lúcia (trad.) Campinas,
SP: Papirus, 1994. (Coleção travessia do Século).
JACQUES, P. B.
. Urbanismo à deriva: pensamento
crítico situacionista. In: VII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo,
2002, Salvador, 2002.
LAMAS, J. M. R.
G. Morfologia urbana e desenho da cidade.
3 ed. Porto - Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian; Fundação para a Ciência e
Tecnologia, 1993. (Textos Universitários e Ciências Sociais e Humana).
SILVA, Regina
Helena Alves da. Cartografias Urbanas:
construindo uma metodologia de
apreensão dos usos e apropriações
dos espaços da cidade. Visões Urbanas - Cadernos PPG-AU/FAUFBA Vol.V -
Número Especial – 2008.
REY, Sandra. Caminhar:
experiência estética, desdobramento digital. Tradução: Daniela Kern. Revista
Porto Arte: Porto Alegre, v. 17, nº 29, novembro 2010.
[1] Prof.ª Dr.ª Maria Thereza
Azevedo.
[2] Paola Berenstein Jacques é
professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e do
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia. É
pesquisadora do CNPq e coordena o grupo de pesquisa Laboratório Urbano.
[3]
Disponível em: http://caminhopolitico.blogspot.com.br/2012/08/mauro-mendes-e-recebido-pelo-senadinho.html
Acesso em: 09 ago. 2013.
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