Gabriel
Pereira Faria
A
ordem é algo que está dado, convencionado e aceito, senão por todos, pela
maioria; este é o império da rotina, do comum, do cotidiano. O pragmatismo, o
utilitarismo e a necessidade de sobrevivência, de segurança, bem como, os
puritanismos morais e dogmáticos tornam a ação do homem enquanto ser social um
tanto mecânico e, não da margem as experimentações, as problematizações do
banal, do inesperado e não permite a expressão das sensações, dos afetos.
A
novidade, o inusitado gera espanto justamente porque, seja no macro como no
micro se instaura uma nova configuração do momento presente. O extraordinário é
algo que está fora da ordem e instaura uma nova ordem, ou ainda, uma ordem que
está fora da concepção comum de ordem, ou uma ordem desordenada. O espanto vem
pelo fato de quebrar o convencional duro, os padrões de comportamento, as
normas de conduta tácitas que atravessa todas as relações sociais de um
determinado grupo. Como por exemplo, deitar na praça, homens usando sobrinhas,
enfim, qualquer comportamento gera curiosidade. Vivemos na ordem, a arte nos
permite experimentar o inusitado, a licença poética nos livra dos determinismos
moralistas. A sociedade vê com certos preconceitos, mas parece que se for
artista é mais aceitável, ainda que condenem e criticam, alguns.
Nos
movimentos a deriva, o que chama a atenção é a forma que experimenta a ordem,
experimenta o que está posto e dá uma nova roupagem ao ato simples, ao
corriqueiro, ao banal. É transformar em algo extraordinário o banal e
corriqueiro. É um ato simples com resultado esplêndido porque ai provoca-se e é
provocado, afeta-se e é afetado. E nestas performances está sujeito ao
inesperado, ao inusitado, pois, gera tanto prazer quanto à dor; nunca sabemos
como o outro vai reagir ao ser afetado, provocado e, quem afeta, quem provoca
como vai receber a reação do afetado. O fascínio está na falta de certeza
quanto à reação porque na reação tem muitas coisas em jogo, como os princípios,
a moralidade, a ordem social a correria do dia a dia e outros mais.
Acreditamos
que a couraça, a armadura ou até mesmo a personagem que usamos no dia-a-dia não
nos permite a fazer qualquer prognóstico quanto à reação dos outros e até mesmo
por vezes as nossas. Até tentamos fazer alguma previsão sobre possíveis
comportamentos, mas dificilmente acertamos porque pensamos uma coisa e de
repente algo acontece e nos tira o chão e nos deixa atônitos. De uma hora para
outra temos que nos refazer e agir de forma totalmente nova e inesperada, por
isso estamos em um movimento sempre a deriva. Experimentar a ordem é partir do
convencional e não podia ser diferente, contudo, podemos afetar e ser afetado
instaurando o extraordinário, o novo e, este novo gera espanto, e este, por sua
vez possibilita que cada um apesar da couraça denuncia os afetos que se apossam
da sua alma, os impulsos que se apoderam da sua vida. Uns adere a performance
como uma novidade, algo diferente e deixa extravasar, dá vazão aos afetos, se
envolve, se insere sentindo-se parte da situação; outros também se envolve,
adere como uma novidade, porém, com uma aceitação comum mantendo a distância,
se colocando como um observador e portanto fora da situação, ainda que de certa
forma usufrui da situação, contudo, não se insere.
Se
inserindo ou não no processo, de uma forma ou de outra a performance vem nos
convidar ou nos provocar para perceber a cidade ou o nosso meio ambiente em
geral; para perceber o que está ali todos os dias e não damos importância, faz
parte da nossa vida e não temos como algo extraordinário. A arte através da
performance mostra de forma extraordinária o corriqueiro e banal; parece que dá
caráter, atribui importância, valor ou denuncia a importância e o valor que a
coisa tem e que por causa do utilitarismo, do pragmatismo, da couraça, da
armadura foi se esquecendo ou deixaram de ter a sensibilidade para percebê-las. Ao passageiro e efêmero do
cotidiano a arte denuncia a falta de sensibilidade e nos mostra que um simples
ato tido como efêmero pode ter uma profundidade, um significado inexorável, e
que algo entendido como passageiro pode ser duradouro e tão marcante a vida.
Estamos
convencidos que o processo de criação não é algo fora das relações cotidianas,
pelo contrário ela se vale dessas relações. É fato que a criação precisa de
liberdade de expressão, as convenções dura fecha e mata o processo, contudo, o
processo criativo nos coloca no mesmo patamar do outro. Este outro ao ver, ao
assistir participa do processo, tem muito a contribuir. O que causa espanto em
muitos é perceber que o processo de criação não é algo de outro mundo, de uma
outra esfera, de uma outra realidade, a criação parte das experiências do
cotidiano vividas em relação com o seu meio ambiente, desde um ínfimo fato ao
mais sofisticado dos acontecimentos. Ao perceber que são capazes de produzir
arte, de dar vazão aos afetos, deveriam viver essas experiências possibilitadas
pela arte e valorizar o momento do espetáculo, mas pelo contrário, depreciam a
arte porque elas se vêem capazes de fazer o que o artista faz; é como que ao
perceber que a arte faz parte do seu cotidiano e, portanto, também de vivencias,
ela perdesse o encanto de arte ou um lugar reservado a ela. É inusitado Pensar que
para alguns, ao que parece, a arte pronta e o artista pertencem a um lugar
acima, a uma outra esfera que não esta.
A
arte possibilita ver de outra forma o cotidiano, expressa uma novidade no
ordinário. Ela é efêmera e passageira no contemporâneo porque com suas
intervenções performática busca criar uma situação, assim convencido com Guy
Debord. No caso da república do cochilo na praça e no senadinho criamos uma
situação; a situação que criamos foi interferir em um lugar ordenado,
corriqueiro, comum, habitual e de certa forma mecânico, ou seja, houve uma
quebra do cotidiano, houve uma ruptura, houve uma provocação, uma transgressão
pontual. A cultura e dando foco a arte sempre teve um papel de destaque na
sociedade, na cidade como forma de trazer às questões, as discussões através de
uma nova ótica.
Na
ditadura militar brasileira a arte teve um papel de destaque na resistência da
ordem instaurada por este regime. Percebe-se ai uma tendência presente em
autores como Derrida, Deleuze e Foucault a de transgressão e não mais a de
engajamento de toda ordem, política, social e até mesmo na arte. As
intervenções performáticas passam a ser um movimento de transgressão do sistema
instaurado, enfim, do império da ordem pontualmente. Transgredir pontualmente o
cotidiano é criar uma situação, é provocar o corriqueiro de uma forma
criativa.
Convencido
com o professor de arte da USP, Antônio Carlos de Araújo Silva, na intervenção
urbana deve-se dar vazão ou voz ao risco e a experimentação em detrimento de
receituários e formalizações espetaculares. Isso porque não é mais possível uma
linha de conduta que seja sempre a mesma em todas as circunstancias. A cidade,
o território, a paisagem e as ordens e as normas sociais já trazem consigo os
receituários e as formulações por vezes espetaculares; a arte com suas performances
nas intervenções urbanas tenta fugir justamente desse império da ordem e
provocar com todos os seus riscos novas experiência. Experimentar é
possibilitar novas vivencias e novos encontros. As experiências estéticas no
deslocamento a deriva está relacionada ao território e à paisagem ao ato de se
deslocar enquanto ação artística. As vivencias e os encontros no ato de
deslocar são ações artísticas que possibilitam experimentações suscetíveis de
provocar mutações e estas é a magia inesperada das intervenções performáticas.
Referencia
Bibliográfica:
1. DEBORD,
Guy. A Sociedade do espetáculo. Rio
de Janeiro: Contra, 1998.
2. DEBORD,
Guy; WOLMAN, Gil. Um guia prático para o
desvio (1956). Disponível em: HTTP://www.reocitties.com/projetoperiferia4/detour.htmAcesso
em 4 julho. 2011.
3.
JACQUES,
Paola Berenstein (Org.). Apologia da
Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade/Internacional Situacionista.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
4.
Anotações
em sala de aula.
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