Márcia Screnci Ribeiro
Este texto é o relato de uma experiência de
intervenção urbana proposta pela Profª Dra. Maria Thereza Azevedo, na
disciplina Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas II, para a turma do
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT, no
primeiro semestre do ano de 2013.
Inicialmente o grupo foi desafiado a visitar
e fotografar possíveis locais onde seria realizada a intervenção[1] e depois trazer à
discussão para a escolha de forma democrática.
Entre os espaços apresentados optou-se pela
Praça da República, especialmente por ser ela um espaço utilizado pelos
trabalhadores e transeuntes que ali circulam para descanso.
Entretanto, como fora apresentado o chamado “Senadinho”,
casa localizada em rua central, onde ocorre reunião matinal de senhores
pertencentes à sociedade tradicional cuiabana, e que ali se encontram para
conversar, decidiu-se que também seria esse espaço foco da intervenção.
Para
Castells (1983, p.181):
O espaço é um produto material em relação com outros
elementos materiais – entre outros, os homens, que entram também em relações
sociais determinadas, que dão ao espaço (bem como aos outros elementos da
combinação (uma forma, uma função, uma significação social.
A experiência teve como base a técnica da
deriva criada pelos situacionistas, sendo Guy Debord um de seus principais
estudiosos. Consiste em se deixar levar pelas atrações do terreno e pelos
encontros que ali se processam, a fim de observar e tentar reconhecer os efeitos
de natureza psicogeográficas (DEBORD, 1958)
O local de encontro foi na Praça Alencastro
onde foi possível observar peculiaridades que passam despercebidas do olhar
cotidiano. Um homem que engraxava os sapatos em plena praça, outro que dormia
sentado sem se incomodar com o movimento, senhores conversando animadamente,
pessoas que passavam apressadamente.
Figura 1 – Grupo reunido Praça
Alencastro Figura 2 - Engraxate
Foto Márcia Ribeiro Foto Márcia Ribeiro
O grupo concentrado aguardava a chegada da
Profª Maria Thereza, que trouxe suas sombrinhas para serem utilizadas no
deslocamento até o senadinho. Cada pessoa portava uma delas, assim foram
caminhando juntos durante o trajeto e devido a seu colorido e aglomeração, gerou
curiosidade nas pessoas que se encontravam no percurso.
Figura 3- Sombrinhas
Foto Márcia Ribeiro
Ao chegar ao Senadinho pedimos permissão para
participar da reunião de senhores, ao que fomos muito bem recebidos. O diálogo
iniciou animado e eles relataram com orgulho a existência do grupo, mostrando
os quadros afixados na parede que contem reportagens jornalísticas sobre a
existência do mesmo.
Figura 4 – Senadinho
Foto Márcia Ribeiro
Fizeram várias manifestações e nos saudaram
com um poema recitado por um deles, médico aposentado, que demonstrou na sua
fala o dom da oratória, talvez herança de sua condição de ex-político.
A conversa foi bastante animada e reveladora,
trata-se de um grupo que existe a muito tempo, composto exclusivamente por
pessoas do sexo masculino. O dono da casa oferecia cadeiras de balanço para
descanso aos amigos que vinham ao centro da cidade para ir ao banco, resolver
negócios, etc. A partir de então, acostumaram-se a se reunir todas as manhãs e,
atualmente, existem nove deles que lá se encontram todos os dias, de segunda a
sexta, e outros que costumam aparecer esporadicamente. É também uma maneira,
segundo eles, de preencher o tempo disponível graças à aposentadoria.
Figura 5 – Senadinho
Foto Márcia Ribeiro
Animados com a nossa presença contaram vários
casos e se sentiram prestigiados pela visita. A intervenção tem como objetivo
principal promover transformações no cotidiano (BARBOSA, p.2) e foi isso o que
se observou.
A calçada foi invadida por cadeiras, nas
quais as mulheres excepcionalmente tiveram assento, pois normalmente o “senadinho”
é formado exclusivamente por homens. Alterada a rotina do encontro e fugindo das
conversas diárias, muitas vezes repetidas que ali ocorrem, sabemos que a nossa
visita não foi apenas algo momentâneo, mas tornou-se um acontecimento que será
assunto para muitos de seus encontros futuros.
Encerrada a visita o grupo partiu em direção
à Praça da República com a finalidade de transformá-la na “República do
Cochilo”, objeto principal da proposta.
Na Praça da República o grupo montou o
cenário que a transformou na República do Cochilo. “As intervenções no espaço
público tem particularmente se utilizado do ‘desvio’ como principal meio de
alterar situações urbanas estabelecidas. (BARBOSA, p.5)”.
Figura 6 – Praça da República ou
Cochilo Figura 7 – Praça da
República ou Cochilo
Foto Márcia Ribeiro Foto Márcia Ribeiro
Redes foram colocadas entre as árvores,
colchões e pufes colocados no chão e um varal no qual as pessoas eram
convidadas a manifestar seus pensamentos em relação a uma cidade melhor.
Chamamos esse local de “falatório”, ou seja, um lugar onde as pessoas poderiam
falar.
A interferência do
artista num determinado locus urbano muitas vezes convida o público à
participação direta mediante estratégias de atuação performática e de
apropriação de elementos estéticos preexistentes. (BARBOSA, p.2)
Muitos transeuntes se interessaram em
registrar suas opiniões e também conversar com o grupo sobre a representação
daquele ato.
Uma bacia recebia papéis escritos com aquilo
que se deseja eliminar das cidades, ou seja, simbolicamente uma “lavagem de
roupa suja”.
Nos colchões havia livros infantis e algumas
crianças ali ficaram encantadas em manusear e ouvir as histórias, enquanto suas
mães, pacientemente as aguardavam.
Durante quase todo o ato, pode-se observar um
homem (foto 8) que dormia sono profundo em um dos bancos da praça com uma
sacola de viagem servindo-lhe de travesseiro, tornando-se um símbolo de nossa
experiência, dando sentido ao nome que batizamos “do Cochilo”.
Figura 8 – Homem dormindo na Praça do Cochilo
Foto Márcia Ribeiro
O público ali presente era bastante heterogêneo,
estudantes jovens reunidos, mulheres com filhos, homens sozinhos, trabalhadores
em horário de almoço e pessoas que atravessavam apressadamente a praça.
Um grupo (foto 9) usando uniforme da loja em
que trabalham compôs a paisagem com o “Z” estampado em suas camisetas, se
integrando ao cartaz que ilustrava como se fosse uma onomatopeia do sono.
Foto 9 – Grupo de trabalhadores na Praça
Foto Márcia Ribeiro
Certamente os que ali estiveram estranharam a
mudança de paisagem ocasionada pelas redes, colchões e varal, porém assim que
foram retirados devolveram à paisagem aquela normalidade cotidiana que faz com
que as pessoas ignorem e não percebam a cidade em que vivem.
E assim como as pessoas que por ali
circularam e puderam ter o seu momento de “cochilo”, também ocorreu com as
sombrinhas, objetos de intervenção da Profª Maria Thereza, que permaneceram
descansando após invadir o espaço da praça.
Foto 10 – Sombrinhas no Cochilo
Referências
BARBOSA,
Eduardo Romero Lopes. A Técnica do Détournement no Espaço Urbano: intervenções
artísticas de Marcelo Cidade e Gabriel e Tiago Primo.
CASTELLS,
Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: paz e Terra, 1983.
DEBORD, Guy. Teoria da deriva. Texto publicado no nº. 2 da revista
Internacional Situacionista em dezembro de 1958. Disponível em 1958. Disponível
em http://pt-br.protopia.wikia.com/wiki/Teoria_da_Deriva
JACQUES, Paola Berenstein. Urbanismo à deriva: o pensamento crítico
situacionista
SILVA, Antônio Carlos de
Araújo. Intervenção Urbana: uma experiência pedagógico-artística. VI Congresso
de Pesquisa e Pós Graduação em Artes Cênicas, 2010.
[1] Intervenção urbana é o termo
utilizado para designar os movimentos artísticos relacionados às intervenções
visuais realizadas em espaços públicos.
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