Por Andhressa Barboza
A proposta de
intervenção urbana surgiu ao curso da disciplina
Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas II, do Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT, ministrada pela professora Maria
Thereza Azevedo. A partir de discussões em sala e visitas in loco, realizamos a
intervenção no dia cinco de julho de 2013 e a situação foi dividida em dois
ambientes: primeiro visitamos o local de reunião do chamado “Senadinho”, o
segundo foi a Praça da República, ambos no centro de Cuiabá. O “Senadinho”
trata de um grupo de senhores que fizeram parte da Administração Pública e hoje
estão aposentados. Eles se reúnem diariamente para discutir temas relacionados
á conjuntura sócio-politico-econômica local e nacional. Contudo, nesse texto
vamos nos ater à segunda situação, a da Praça da República.
A
intervenção recebeu o nome de “República do Cochilo”, pois em
visita prévia foi constatado que aquele espaço é procurado por trabalhadores da
vizinhança para o descanso no horário do almoço.
A Praça da República é próxima de outra praça,
a Praça Alencastro que fica em frente ao Palácio Alencastro, sede da Prefeitura
de Cuiabá. Apesar da proximidade física, as praças apresentam diferenças quanto
às atividades desenvolvidas. A Alencastro é o local onde comumente são
realizadas as feiras para campanhas informativas voltadas às políticas públicas
de saúde, educação e outras atividades sempre relacionadas à “cidadania”. Já a
Praça da República é o local onde ficam pessoas em situação de rua.
Durante
as sete horas que ficamos na Praça da República, foi possível conhecer alguns
desses sujeitos sociais. O que busco desenvolver como reflexão deste trabalho
tem como dados primários a experiência neste campo e como dados secundários algumas
falas de colegas de turma após a intervenção.
A
seguir está transcrita a fala de uma colega que conta sobre um rapaz que veio conversar com ela:
Pensei: não vou dar muita corda
porque ele vai ficar mala, mas
prestava atenção em tudo que ele falava. Esse moço que fala um monte de coisa
que a gente está considerando bobagem, tipo “Ahhh, que chato”, talvez ele seja
o único que tenha alguma razão para falar naquele ambiente, porque nós, ali
estávamos fazendo arte e ele estava vivendo. A maioria das pessoas tem
dificuldade de lidar com pessoas nessas situações.
Pela fala da colega
percebemos como intervenção deu voz a discursos considerados não autorizados.
Segundo Foucault (2007), a produção de discurso nas sociedades é controlada,
selecionada, organizada e redistribuída de acordo com procedimentos que tem por
função conspirar a favor de poderes e perigos.
Nem todos os discursos podem ser
socializados, para isso existem os mecanismos de exclusão, que são três: a
palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade. O primeiro
são os tabus, as determinações das circunstâncias, o direito privilegiado ou
exclusivo à fala. O segundo é uma separação, uma rejeição, pois o louco é
aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros. O último apoia-se em
um suporte institucional que é reforçado e reconduzido por um conjunto de
práticas.
Quando falamos dos
sujeitos sociais em situação de rua na Praça da República estamos falando de
discursos rejeitados o que reforça a delimitação de espaços sociais dos quais
ocupam. O controle sobre os discursos se relaciona ao espaço social enquanto espaço
simbólico ou de classe social. Segundo Bourdieu (1996) o espaço social é
construído de tal modo que os agentes ou os grupos são aí distribuídos em
função de sua posição nas distribuições estatísticas de acordo com os dois
princípios de diferenciação: o capital econômico e o capital cultural.
Ali na Praça nós,
estudantes universitários, exercíamos com a nossa presença dois tipos de
violência simbólica, mesmo sem a intenção de exercer: a violência simbólica pelo
nosso capital econômico e o capital cultural que constituem um habitus.
Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e
distintivas que são também esquemas classificatórios. Eles estabelecem as
diferenças entre o que é bom e o que mau, entre o que é distinto e o que é
vulgar, mas elas não são as mesmas. A ideia principal é que existir em um
espaço, ser um agente social é diferir, ser diferente.
Assim, a intervenção na
Praça da República provocou uma “desordem” discursiva e estética. Uma vez que
deu voz aqueles cujos discursos são rejeitados e se o mundo social, com suas
divisões, é algo que os agentes sociais têm a construir, coletivamente, na
cooperação e no conflito, essas construções não se dão no vazio, elas surgem de
situação e de processos. A distribuição ocupada no espaço social, isto é, na
estrutura de distribuição de diferentes tipos de capital, podem ser vistas como
armas, pois comandam as representações desse espaço e as tomadas de posição nas
lutas para conservá-lo ou transformá-lo.
É o que Foucault (2007)
chama de “vontade de verdade”. O autor aponta que esta vontade é uma construção
histórica e está apoiada sobre um suporte institucional que tende a exercer uma
pressão, um poder de coerção sobre os outros discursos. Apesar da “vontade de
verdade” estar sempre se reforçando, tornando-se mais profunda e mais
incontornável é dela que menos se fala é como se ela estivesse mascarada. Podemos colocar a
“vontade de verdade” dentro do arcabouço dos valores éticos da sociedade.
Referências
BOURDIEU,
Pierre. Razões Práticas: sobre a
teoria da ação social. Campinas: Papirus. 1996.
FOUCAULT,
Michel. A Ordem do Discurso. São
Paulo: Edições Loyola. 2007.
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