Viviane
Tchalian
Com o intuito de
finalizar uma disciplina de Poéticas Contemporâneas: Atrações temporárias, estéticas emergentes na cidade, nos foi proposta uma
atividade de intervenção artística no centro de Cuiabá. Já enquanto elencávamos
as possíveis localidades, formatos e intenções, era possível sentir certa
palpitação no peito. Fato é que ao criar-se uma performance artística em forma
de intervenção urbana além de pensar em detalhes próprios da obra, há de se
considerar um elemento chave para esse tipo de atividade: o público, e
obviamente, sua relação com a obra e o(s)/a(s) artista(s). "Na
performance, a presença do espectador é requerida, não como um espectador a posteriori, mas como parte da obra,
enquanto elemento estético da obra. (MEDEIROS, 2005 pg.137)
Este processo
de criação nos possibilitou reflexões acerca do conceito de performance, sobre a realidade da cidade onde vivemos e sobre a relação que nós
mesmas (os) temos com esta cidade. Em qualquer obra de arte, o processo
criativo é algo a ser considerado como parte fundamental da obra, algo a ser
considerado, inclusive, parte da obra. Sobre isso Cecília
Almeida Salles enfatiza, O processo
criativo é palco de uma relação densa entre o artista e os meios por ele
selecionados, que envolve resistência, flexibilidade e domínio. Isto significa
uma troca recíproca de influências. (Salles, 1998 p.72) e, no caso das
nossas aulas, esse processo fez-se presente de forma colaborativa, o que, a meu
ver, intensificou ainda mais a experiência, pois, ao
investigar lugares, analisar fotografias de espaços urbanos que fazem parte do
nosso cotidiano, tivemos a oportunidade de pensar tais lugares sob outras óticas,
outras formas de pensar, ao agregarmos várias (os) autoras (es) à obra,
agregamos vários mundos à ela. Esse processo compartilhado entre colegas de um
programa de mestrado multidisciplinar, compreendendo pessoas de diversas áreas
de formação, mostrou-se muito rico e produtivo.
SENADINHO: POLÍTICA E
UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO.
Ao chegarmos à localidade escolhida nos deparamos com uma pequena reunião de senhores, sentados em cadeiras espalhadas pela calçada, no número 330 na Rua Cândido Mariano, próximo à antiga casa dos governadores, ponto histórico da capital. Esses senhores representam uma tradição bem particular da vida cuiabana. Há trinta anos eles, todos esbanjam histórias sobre uma Cuiabá antiga, diferente, nem melhor nem pior, apenas uma Cuiabá que as gerações mais recentes desconhecem. Eles se reunem de segunda à sexta feira, à partir das 6 horas, para discutir aspectos políticos, cotidianos e particulares da vida na cidade, da situação econômica e, inclusive, algumas fofocas das pessoas conhecidas na capital. Além da surpresa que foi ver esses senhores que lembram de certo modo nossos avós, um pouco misturados com figuras de livros de história matogrossense, talvez o maoir impacto tenha sido a recepção que tivemos. Ao verem uma pequena multidão de sombrinhas coloridas, esses alegres e falantes senhores se abriram seus sorrisos de boas vindas ao grupo de estudantes que ali chegava.
O nosso grupo logo foi se aconchegando em meios às
cadeiras, histórias e pedestres que ali passavam e olhavam, curiosos, aquela
atípica reunião que ignorava idade, sexo, religião e posicionamentos políticos.
Estávamos todas (os) alí afim de absorver o máximo possível daquele encontro.
Dentre os assuntos que alí apiavam, os mais cotados
foram as mudanças atuais ocorridas na cidade, em sua maioria por ser esta uma
das sedes da Copa do Mundo, as mudanças no cenário político e as manifestações
militantes que também chegaram à Cuiabá. Mais surpreendente que os assuntos em
si, foram as reações e opiniões expressadas por aqueles senhores. Todos
compartilhavam um certo ânimo ao ver os jovens se movimentando, tentando
mudanças efetivas em nossa sociedade. A forma como foram abordadas estas
questões me trouxe certa calma e esperança de que seja possível, realmente, um
diálogo entre gerações, diálogo esse livre de julgamentos, com o intuito apenas
de trocar experiências. E foi isto que vivenciamos juntamente com esse grupo
especial de senhores que também se incomodam, revoltam e se indignam com a
situação da capital matogrossense e do país.
Essa
experiência em arte e, também, na cidade onde vivo há oito anos, me trouxe
algumas percepções que me fizeram muito feliz, primeiramente pela possibilidade de
troca de experiências com uma geração que tem cerca de cinquenta anos de
diferença para com a minha, pertencente a uma cidade que não é minha cidade de
origem, foi muito rica. A forma como fui recebid@ foi bastante surpreendente
também, imaginei que, por se tratar de senhores de idade avançada, acostumados
com alguns valores, haveria certa resistência com relação à minha imagem (
andrógena, moicano, tatuagens, alargadores e piercings), mas ao contrário, fui muito bem recebid@, pude trocar
muitas figurinhas e conhecer uma realidade bastante diferente do que conhecia
até este encontro.
Concluo
assim, que ao utilizarmos dos espaços públicos, cotidianos, ao habitarmos de
fato nossa cidade, criamos possiveis encontros, possíveis situações que colocam
em destaque a própria cidade, a forma como as pessoas vivem nela e as
transformações que se dão ao longo do tempo. Além disso, ao levarmos uma obra de
arte, uma performance às ruas, aproximamos universo artístico, acadêmico e a
população, enriquecendo assim a vivência nesses espaços.
BIBLIOGRAFIA
MEDEIROS,
Maria Beatriz de. Aesthesis: estética,
educação e comunidades. Chapecó : Argos 2005.
SALLES,
Cecília Almeida. Gesto Inacabado:
processo de criação artística. São Paulo
: Annablume 1998.
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