Paulina Silva de Almeida
O
texto ensaístico apresentado surgiu a partir de estudos e reflexões realizados
em sala de aula sobre a cidade durante a disciplina de mestrado ministrada pela
professora doutora Maria Thereza de Oliveira Azevedo: Tópicos
especiais em Poéticas Contemporâneas II: Atrações Temporárias: práticas
estéticas em espaços urbanos. Paralelo as reflexões foram
surgindo diferentes maneiras e abordagens de se intervir na cidade. A
professora pediu para que os mestrandos que realizavam a disciplina fizessem
observações, derivas pela cidade de Cuiabá e que trouxessem para os demais sugestões de locais para que se
fizesse a intervenção urbana.
O conceito de deriva está definitivamente ligado ao reconhecimento dos
efeitos de natureza psico-geográfica e à afirmação de um comportamento
ludoconstrutivo em oposição a todos os aspectos e noções clássicos de viagem e
de passeio. Uma ou várias pessoas que se lançam na deriva renunciam durante um
tempo, mais ou menos longo, aos motivos para se deslocar ou agir normalmente em
suas relações de trabalho e lazer habituais, para se deixar conduzir pelas
solicitações do terreno e pelos encontros que a ele correspondem. (DEBORD,
1958).
A
partir das derivas e observações in loco
o grupo decidiu que a Praça da Republica e o Senadinho seriam os lugares a se
intervir, sendo que no ultimo aconteceria uma contaminação pois entraríamos em contato
direto com os integrantes do Senadinho.
A
observação é uma técnica de levantamento de dados aparentemente bastante
simples, mas não é de fácil aplicação. É próprio do ser humano fazer
observações – é o seu método básico para colher informações. Todos observam, sempre.
Mas ao fazermos observação no nosso dia-a-dia não somos muito eficientes: prestamos
atenção em algumas coisas e não em outras, percebemos objetos, movimentos e pessoas
de forma diferente, enfim, somos bastante inexatos ao realizar este processo.
Por estes motivos todos é necessário treinamento cuidadoso para observar. A
observação é uma técnica que deve ser sistematicamente planejada, registrada e
ligada ao contexto de levantamento que está sendo realizado. (ALVAREZ, 1991,
p.2).
Longe
de ser irrelevante, a observação é um instrumento de pesquisa e coleta de dados
que permite informar o que ocorre de verdade, na situação real, de fato.
O
primeiro local onde aconteceu a intervenção foi o lugar denominado “Senadinho”.
O “Senadinho” segundo relatos dos próprios membros se reúne diariamente ao lado
da antiga residência oficial dos governadores. São senhores com certa
experiência de vida. Na casa onde se reúnem morava um personagem da sociedade
cuiabana o advogado Oriente Tenuta Filho, já falecido. Hoje, sua esposa Elza
Maria cultiva e incentiva tal costume, por sinal a única mulher que participa
do grupo. O grupo discute assuntos relacionados à política, relembram a Cuiabá
de outrora e assuntos relacionados a outros aspectos. Segundo um dos
integrantes os assuntos são diversos.
Durante
a conversa com os integrantes do senadinho se percebe um tom de nostalgia por
parte de alguns, a vontade que Cuiabá permanecesse com os mesmos hábitos e
costumes que segundo a fala de alguns foi perdida com o passar dos anos devido
à “modernidade” que chegou a capital juntamente com o desenvolvimento. Falam
com saudades de uma Cuiabá sem violência, onde as pessoas sentavam nas portas
das casas em rodas de conversas a “noitinha” e se conheciam uns aos outros e
sabiam a qual família pertencia. Como construção social, a produção da imagem
da cidade está intrinsecamente ligada à representação e valores. Encontra-se,
portanto, subordinada a visão de mundo daqueles autores que se impõe nos
processos de produção do espaço. (SÁNCHEZ, 2004, p. 35).
Após a intervenção
no Senadinho, o grupo se dirigiu a Praça da República. Chamada por muitos de
Largo da Matriz devido a Igreja Matriz
Senhor Bom Jesus de Cuiabá ser construída em frente. Na Praça da
República aconteceram alguns dos principais episódios religiosos, políticos e
culturais da história do estado. Hoje, ela continua sendo um ponto de encontro
dos cidadãos. Em seu entorno está o Museu Histórico de Mato Grosso. A Praça possui quatro estátuas simbolizando as
estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Foi nessa praça que a
intervenção e performance aconteceram na maioria do tempo.
Nas rodas de conversas e reflexões tanto em sala quanto no momento
da performance foi comum relatos de colegas que durante a infância moraram
próximo a Praça da República e que carregam consigo lembranças do lugar. Isso
reforça a idéia das praças serem lugares carregados de memórias e simbologias.
Os espaços públicos urbanos tem sido objeto de estudo frequente,
pois, são nesses espaços, moldados a partir do uso cotidiano que a vida se
efetiva.
A praça é vista como exemplo dessa interação um local de grande
valor histórico, cultural e de interação social sendo fundamental na
configuração urbana consistindo em um dos mais importantes espaços
públicos da história das cidades. Comumente definida
como o lugar do encontro, passagem e da sociabilidade. Historicamente é palco
de manifestações culturais, sociais, políticas, cívicas, esportivas e religiosas. Sua essência é constituída a
partir da história que ela carrega, de seu desenho paisagístico e de seu
conjunto urbanístico. A integração entre morfologia, estética e apropriação é
que permitem a formação das praças como espaços simbólicos, lugares de memória.
(REJANE, 2010, p.2)
Na Antiguidade greco-romana, a praça era o espaço
público de maior importância da cidade e funcionava como seu centro vital.
Com seus diversos significados – funcionais ou
morfológicos – a praça representava o espaço de maior vitalidade urbana. Eram
espaços referenciais, atuando como ‘marcos visuais’ e como ‘pontos focais’
(LYNCH, 1997) na organização da cidade. Esse status alcançado pela praça ainda
se faz presente no imaginário urbano, embora apresentem transformações significativas,
as praças representam verdadeiros nós de confluência social e são espaços essenciais
ao cotidiano da cidade, assim a praça não pode ser pensada como um objeto isolado,
mas como um elemento intrínseco à cidade.
Durante a intervenção, a Praça da República se
transformou na “Praça do Cochilo” devido às pessoas que trabalham no comércio
da área central de Cuiabá utilizar a mesma para um “cochilo” no horário do almoço.
A busca pela praça como lugar de descanso pode ser observado nos intervalos dos
horários de almoço do comércio central, e outros que entre uma compra e outra
também buscam a sombra da praça por ser mais arborizada e amenizar a sensação
térmica criada pela ilha de calor que é essa região central da cidade. Funciona
como ponto de encontro de estudantes, funcionários do comércio local,
ambulantes, casais, amigos, cada grupo vai se apropriando, deslocando, fixando
e desagrupando-se no espaço da praça e seus limites.
Para que o
cochilo se tornasse mais confortável foram distribuídos no perímetro da praça
colchonetes, redes, revistas, além de um varal com sombrinhas, sendo as
sombrinhas a marca maior da performance. No começo a participação dos que
passavam e estavam na praça foi tímida, mas aos poucos mesmo sem entender o que
estava acontecendo e o que iria acontecer, as pessoas na maioria estudantes
começaram a interagir com o grupo, estendendo varais, distribuindo os objetos
pela praça, armando redes e depois se deitando nos colchonetes e redes que ali
estavam distribuídos. No dia da intervenção (cinco de julho de dois mil e
treze) devido à onda de manifestações que estavam acontecendo em todo o país
inclusive em Cuiabá, a maioria das pessoas perguntavam ao grupo o que estariam
reivindicando e a resposta sempre era a mesma: nada, não estamos reivindicando
nada. Aos poucos as pessoas iam deitando, relaxando, criando um ambiente
harmonioso, apesar da disposição dos objetos sem uma organização aparente.
A Praça Alencastro é um lugar de encontro, de fluxos
e redes, fluxos de pessoas que vão ao centro, fluxo de comércio, serviços,
fluxo das pessoas que são “moradores da praça e aqueles que são moradores
interinos. Além dos fluxos existentes, pude perceber a delimitação do
território, o que nos remete a idéia de relação de poder trabalhada por Milton Santos
(2006). Entre os “moradores” da praça, aquele que chegou primeiro, manda mais,
tem determinados privilégios em relação aos que chegam depois. A praça é
espaços-síntese da memória urbana de Cuiabá, pois contam a própria história da
cidade.
A Praça da República que até então o seu interior
era totalmente desconhecido e até ignorado por mim, devido ao receio em
adentrar e acontecer algo desagradável, a mesma que já foi palco de fatos
históricos importantes em Cuiabá, aos poucos foi se tornando familiar, parece
que já havia parado ali, não parecia a primeira experiência em ficar ali
naquela praça. O momento em que se instalou o “falatório” e a bacia com água
onde as pessoas poderiam escrever e deixar no varal os seus anseios, e na bacia
o que elas queriam que se dissolvessem de suas vidas, foi incrível presenciar
ali pessoas que acreditavam que realmente aquelas coisas iriam acontecer de verdade
em suas vidas. E foi inevitável e incontrolável a vontade de fazer um pedindo
igualando-me as pessoas que passavam pela praça.
A experiência da intervenção urbana vivenciada por
mim pela primeira vez proporcionou-me aliar teoria a prática, me aproximou de
um universo que até então não havia explorado. A partir de então, a praça
ganhou um novo significado, um novo olhar. Os estigmas que a praça carregava
nas vezes em que passei por ela foram desmistificados no momento em pude
adentrar em seu universo.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ALVAREZ,
Maria Esmeralda Ballestero. Organização,
Sistemas e Métodos. São Paulo: McGraw Hill, v. 1 e 2, 1991.
BARROS,
Rejane Cristina da Silva. Anais XVI
Encontro Nacional dos Geógrafos: Crise, Práxis e autonomia: Espaços de
Resistência e de Esperanças, Espaços de Diálogos e Práticas. Porto Alegre,
2010.
DEBORD,
Guy. Texto publicado no nº. 2 da revista Internacional Situacionista em
dezembro de1958.
LIMA, Evelyn Furquim Werneck; MALEQUE, Miria
Roseira. Espaço e Cidade: Conceitos e
Leituras. Rio de Janeiro: 7 letras. 2004.
LYNCH,
Kevin. A imagem da cidade. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
SANTOS,
Milton. Territórios, Territórios: Ensaios
sobre Ordenamento Territorial. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
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