Luciano Martins Barbosa
À intervenção na Praça da República
foi de suma importância para despertar o olhar diagnóstico. Seguindo a linha focaultiana do
diagnosticar para pensar, iremos
comentar aqui, a valoração do normal em detrimento
do anormal. De acordo com a citação abaixo, a norma, a regra
são as responsáveis por estipular e
por escalonar os anormais. “(...) o anormal está na norma, é previsto
nela, julgado e encaminhado por ela, e seu segmento é desdobrado em uma variedade
de tipos e subtipos” (MARQUEZAN, 2009, p. 110).
Entendemos que é na validação de uma
norma, que esta a medida padronizada
para escalonar as pessoas em normais ou anormais, ou seja, se está de acordo
com uma regra, então é normal , agora caso esteja fora do padrão é marcada como
anormal. Isto é, ela deve estar em um justo meio, não podendo estar em nenhum
dos extremos, não pode existir carência
nem excesso no comportamento ou na conduta. Agora regulamentar, normatizar,
classificar um estado, defini-lo como anormal por meio do excesso ou
da falta é defender o caráter de regra, de cálculo de um estado valorado,
conceituado e convencionado e definido como normal. (CANGUILHEM, 2000, p. 36).
Quando falamos em normatizar, em
regra, não estamos referindo a lei jurídica , ela não está relacionada ao
direito para Foucault e sim à medicina,
essa detinha o poder de segregar pessoas, caso não seguissem as regras que determinam o
"ser normal" A Nau dos Loucos, representa bem isso que
estamos falando, onde a expulsão dessas pessoas onde não encaixavam nos padrões
vigentes da época como "normais", sendo assim, eram extirpadas do
convívio social, para fora da cidade em barcas.
Hieronymus Bosch. Nau
dos insensatos, c.1490
|
Hoje
a exclusão na pós-modernidade, possui dois viés ou produzimos ou
consumimos e os que não encaixam em nenhum desses polos, são os excluídos.
De acordo com Bauman (2007,p.26) a vida líquida na contemporaneamente
representa a fugacidade, consumismo ,
relações instáveis, etc. Então, consumir é importante para ser aceito na
sociedade. Na pós-modernidade o consumo está relacionado com reconhecimento
social; então, os desocupados, os ociosos a sociedade entende que não tem
valor, isso ficou refletido nas ações de algumas pessoas, com seu olhar de
desprezo gestos de reprovação, ao ver pessoas deleitando e contemplando a Praça da República em horário entendido
pelo capitalismo de "comercial", ou seja, é uma metáfora para dizer
" não estão trabalhando, não estão produzindo, não estão consumindo" então;
são desocupados, derrotados, fracassados, são lixos sociais.
Antes se excluíam os loucos para
fora das cidades em barcas e hoje excluem os que não produzem ou os que não
consomem, se não faz parte deste ciclo são anormais, mas agora não é mais a medicina
que vai julgá-los mas o sistema
econômico. A sociedade está condicionada pela prática, pelo uso e serventia dos
instrumentos e pessoas. Isto é, não sabemos quem é o outro, nem sabemos
explicar quem somos, a não ser pelo que fazemos, pelo uso, pela tarefa que
desempenhamos na sociedade, sendo assim, se não elaboramos, se não produzimos,
se não consumimos, se não funcionalizamos a nossa existência, em um serve para
que, deixamos de ter reconhecimento social até de nós mesmos.
Não
podemos permanecer
com
essa lógica no mundo, de
valorar o outro pela sua utilidade social, pois de acordo com o pensamento
heideggeriano não tendo acesso ao ser
nunca chegaremos a conhecer o que é um objeto na sua autenticidade, sendo
assim, ficaríamos presos a um conceito falso, alicerçado na instrumentalidade
que esse objeto presta ao mundo. Seguindo essa ideia, por
estarmos condicionado a não conhecer os objetos fora do uso que desempenha
deslocamos essa conceituação para as pessoas também, ela é a função que
desempenha, se está fora dessa funcionalidade de trabalho, produção e consumo é
valorada socialmente como desocupada, fracassada, derrotada, etc. Afinal, o que
somos se excluirmos a nossa funcionalidade? Será que não precisamos
desfuncionalizar essa lógica do pensamento do adestramento do servir para
alguma coisa? São algumas questões para
pensarmos. Essa falta de função de algumas pessoas na praça, mostrou liberdade, pois o relógio, o
tempo, não passa de acessório em uma existência
em constante devir, mudança.
Talvez, a arte possa nos brindar com
outras possibilidades de ser, de existir, fora desse condicionamento da
serventia e da utilidade, mas para isso devemos descondicionar o pensamento
dessa lógica do uso e do pragmatismo, precisa, então ser afetado por outras
aberturas, por outras sensações, desterritorializar pelas linhas de fuga que
foge das amarras de um pensamento ordenador, dando vazão a um turbilhão de
sensações onde uma é cada vez mais violenta do que a outra. O sentir, a
sensação é fundamental é isso que sentimos nessa intervenção no Senadinho e na
Praça da República.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BAUMAN,
Zygmunt. Globalização: as conseqüências
humanas.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999
______.
Vida líquida; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2007.
CANGUILHEM, Georges.
O Normal e o Patológico.
Tradução de BARROCAS,
Maria Thereza de Carvalho;
LEITE, Luiz Octavio
Ferreira Barreto. –
5ª ed.- Rio
de Janeiro: Forense
Universitária, 2000.
FOUCAULT, Michel. Isto não é
um cachimbo. São Paulo, Ed Paz e Terra, 3º semestre 1988.
______. Vigiar e Punir:
nascimento da prisão. Petrópolis, Ed. Vozes, 8ª ed.1991.
______. A Verdade e as
formas Jurídicas. Rio de Janeiro: NAU Editora, 1996.
______. O Nascimento da
Clínica. Editora Forense Universitária, 4ª Ed, 1994.
_______ Os Anormais. Curso
no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário