quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A intervenção urbana e a descoberta de um novo olhar: relatos das intervenções - senadinho e república do cochilo.



Jone Luiz C. da Costa.


            A intervenção ocorreu em dois locais distintos, o primeiro no “senadinho” que funciona em uma garagem, próximo à prefeitura de Cuiabá, onde ocorre uma reunião de senhores que outrora ocuparam cargos importantes na cidade e que se reúnem diariamente pela manhã para discutirem assuntos diversos. O segundo ocorreu na Praça da República onde foi criada a “república do cochilo”, o que se deu por volta do meio-dia. Em outro momento, ainda na praça, foi estendido um varal no qual seriam colocados cartazes escritos pelos participantes com mensagens que gostariam que se tornassem reais e semelhantemente foi disposta uma bacia com água onde seriam colocados cartazes com mensagens que as pessoas gostariam que não acontecessem.
            Ao me reunir com o grupo da intervenção na praça Alencastro pela manhã, afim de preparar e dar inicio à primeira intervenção, percebi coisas que outrora não me chamavam a atenção, as coisas e pessoas que antes se apresentavam como um pano de fundo, agora estavam em primeiro plano –  era a imagem de um homem dormindo sentado, de um grupo de jovens logo cedo já reunidos, alguns senhores conversando com muita intimidade, um veículo todo enfeitado que encontrava-se estacionado próximo, e essa percepção diferenciada não terminou ali. 

Foto1: local de encontro marcado, para dar inicio às intervenções.

Iniciando a intervenção, o deslocamento até ao senadinho, o que se deu com todos utilizando "sombrinhas", gerou uma imagem profunda que até hoje me faz refletir e, melhor que isso, foi bom perceber que pessoas que observavam esse deslocamento foram indagados, em seu interior, a refletirem sobre as práticas políticas e sociais em que vivem – neste momento nossos objetivos começaram a ser realizados, semelhante às práticas desenvolvidas pelos situacionistas. 
            REY aborda o assunto dos deslocamentos e em especial a caminhada e seus efeitos provocados nos territórios e nas pessoas envolvidas.
Do nomadismo primitivo das Rochas de Carnac ao Dada, depois do Surrealismo à Land Art, a caminhada e o trajeto são tomados enquanto experiência profunda, capaz de operar simbolicamente tanto nos territórios quanto no imaginário e na subjetividade dos indivíduos. REY, 2010, p.110)

            As percepções durante a intervenção no senadinho continuaram diferentes tanto para os que participavam quanto aos que observavam o acontecimento. Não me aprofundarei nesta intervenção, me atentarei ao acontecimento realizado na praça da república, a intervenção república do cochilo.
            Ao instalarmos as redes e colchões no local, propondo aos que se encontravam ou passavam pela praça um momento de descanso, alguns referenciais mudaram, o que na caminhada se percebera estando em movimento, neste momento se inverteu, o ponto de observação se tornou de certa forma fixo e o ambiente é que se encontrava em um movimento de mudança, o que ocorria pelo fluxo de pessoas que passavam ou utilizavam o local. Rey relata sobre mudanças que acontecem relacionados ao espaço-tempo do objeto observado.

(...) A experiência promovida pelos deslocamentos nas paisagens, e apresentada enquanto memória nos arquivos de deslocamentos, parece levantar problemáticas próprias das relações de espaço-tempo. Em seguida, esse modo operatório, que multiplica os dados do real em uma série de combinações possíveis e não cessa de fazer com que a imagem se dobre sobre si mesma nos desDOBRAmentos da paisagem,acaba por transformar a percepção dos fragmentos das paisagens em um espaço sem topos, não localizável, mas aberto ao acontecimento.( REY, 2010, p.110)

            Observando o que se passava, inúmeras possibilidades do que poderia acontecer passava em minha imaginação. Em um dado momento, quando eu estava instalando uma rede, uma adolescente que se encontrava próximo me disse: “Você vai armar pra eu deitar?”, respondi que sim, e disse que ela poderia deitar, assim que eu terminasse de amarrar a rede e fizesse o teste pra ver se a rede estava bem presa, ela então respondeu: “Eu nunca deitei em uma rede”, neste momento me vi pensando inúmeras possibilidades na relação que essa ação –deitar em uma rede- poderia representar para menina.


Foto 2: intervenção República do cochilo. Na praça da República.
           
Salles, abordando o processo de criação artística, relata a fato do acontecimento do imprevisto em uma obra, e por isso a aceitação da possibilidade de esta poder ser realizada de inúmeras formas. Fazendo uma ligação ao fato descrito anteriormente, podemos facilmente considerar os multiformes modos em que a garota faria da rede.
Aceitar a intervenção do imprevisto implica em compreender que o artista poderia ter feito aquela obra de modo diferente daquele que fez. Admite-se, assim, que outras obras teriam sido possíveis. (SALLES, 2011, p.42)

Considerando essas possibilidades, notamos que elas se estendem a todos os momentos de uma intervenção; talvez seja esse um dos fatos pelo qual o olhar, o perceber se modifica, e traz consigo uma inquietude que não termina ali, mas que vez por outra retorna. Nas intervenções, ao estar do lado dos que as propuseram, na intenção de promover situações que pudessem afetar as pessoas no sentido de provocar questionamentos, o que acredito ter sido realizado, me senti, no entanto, durante todo processo, na posição de agente passivo do que ativo, pois a todo momento os acontecimentos me afetavam. E dessa maneira, em se falando de intervenções, acredito na existência de uma ação recíproca, em que as funções de agentes passivos e ativos fazem parte de todos envolvidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

REY, Sandra. Caminhar; experiência estética, desdobramento virtual.(tradução: Daniela Kern). In revista Porto Arte, Porto Alegre,2010.

SALLES, C. O Gesto Inacabado: Processo de criação artística. São Paulo, Annablume, 3º edição, 2007.

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