quinta-feira, 15 de agosto de 2013

PRAÇA DA REPÚBLICA E SENADINHO EM CUIABÁ: SOCIABILIDADE EM ESPAÇOS URBANOS



Paulina Silva de Almeida

O texto ensaístico apresentado surgiu a partir de estudos e reflexões realizados em sala de aula sobre a cidade durante a disciplina de mestrado ministrada pela professora doutora Maria Thereza de Oliveira Azevedo: Tópicos especiais em Poéticas Contemporâneas II: Atrações Temporárias: práticas estéticas em espaços urbanos. Paralelo as reflexões foram surgindo diferentes maneiras e abordagens de se intervir na cidade. A professora pediu para que os mestrandos que realizavam a disciplina fizessem observações, derivas pela cidade de Cuiabá e que trouxessem  para os demais sugestões de locais para que se fizesse a intervenção urbana.
O conceito de deriva está definitivamente ligado ao reconhecimento dos efeitos de natureza psico-geográfica e à afirmação de um comportamento ludoconstrutivo em oposição a todos os aspectos e noções clássicos de viagem e de passeio. Uma ou várias pessoas que se lançam na deriva renunciam durante um tempo, mais ou menos longo, aos motivos para se deslocar ou agir normalmente em suas relações de trabalho e lazer habituais, para se deixar conduzir pelas solicitações do terreno e pelos encontros que a ele correspondem. (DEBORD, 1958).

A partir das derivas e observações in loco o grupo decidiu que a Praça da Republica e o Senadinho seriam os lugares a se intervir, sendo que no ultimo aconteceria  uma contaminação pois entraríamos em contato direto com os integrantes do Senadinho.
A observação é uma técnica de levantamento de dados aparentemente bastante simples, mas não é de fácil aplicação. É próprio do ser humano fazer observações – é o seu método básico para colher informações. Todos observam, sempre. Mas ao fazermos observação no nosso dia-a-dia não somos muito eficientes: prestamos atenção em algumas coisas e não em outras, percebemos objetos, movimentos e pessoas de forma diferente, enfim, somos bastante inexatos ao realizar este processo. Por estes motivos todos é necessário treinamento cuidadoso para observar. A observação é uma técnica que deve ser sistematicamente planejada, registrada e ligada ao contexto de levantamento que está sendo realizado. (ALVAREZ, 1991, p.2).
Longe de ser irrelevante, a observação é um instrumento de pesquisa e coleta de dados que permite informar o que ocorre de verdade, na situação real, de fato.
O primeiro local onde aconteceu a intervenção foi o lugar denominado “Senadinho”. O “Senadinho” segundo relatos dos próprios membros se reúne diariamente ao lado da antiga residência oficial dos governadores. São senhores com certa experiência de vida. Na casa onde se reúnem morava um personagem da sociedade cuiabana o advogado Oriente Tenuta Filho, já falecido. Hoje, sua esposa Elza Maria cultiva e incentiva tal costume, por sinal a única mulher que participa do grupo. O grupo discute assuntos relacionados à política, relembram a Cuiabá de outrora e assuntos relacionados a outros aspectos. Segundo um dos integrantes os assuntos são diversos.
Durante a conversa com os integrantes do senadinho se percebe um tom de nostalgia por parte de alguns, a vontade que Cuiabá permanecesse com os mesmos hábitos e costumes que segundo a fala de alguns foi perdida com o passar dos anos devido à “modernidade” que chegou a capital juntamente com o desenvolvimento. Falam com saudades de uma Cuiabá sem violência, onde as pessoas sentavam nas portas das casas em rodas de conversas a “noitinha” e se conheciam uns aos outros e sabiam a qual família pertencia. Como construção social, a produção da imagem da cidade está intrinsecamente ligada à representação e valores. Encontra-se, portanto, subordinada a visão de mundo daqueles autores que se impõe nos processos de produção do espaço. (SÁNCHEZ, 2004, p. 35).
Após a intervenção no Senadinho, o grupo se dirigiu a Praça da República. Chamada por muitos de Largo da Matriz devido a Igreja Matriz Senhor Bom Jesus de Cuiabá ser construída em frente. Na Praça da República aconteceram alguns dos principais episódios religiosos, políticos e culturais da história do estado. Hoje, ela continua sendo um ponto de encontro dos cidadãos. Em seu entorno está o Museu Histórico de Mato Grosso.  A Praça possui quatro estátuas simbolizando as estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Foi nessa praça que a intervenção e performance aconteceram na maioria do tempo.
Nas rodas de conversas e reflexões tanto em sala quanto no momento da performance foi comum relatos de colegas que durante a infância moraram próximo a Praça da República e que carregam consigo lembranças do lugar. Isso reforça a idéia das praças serem lugares carregados de memórias e simbologias.
Os espaços públicos urbanos tem sido objeto de estudo frequente, pois, são nesses espaços, moldados a partir do uso cotidiano que a vida se efetiva.
A praça é vista como exemplo dessa interação um local de grande valor histórico, cultural e de interação social sendo fundamental na configuração urbana consistindo em um dos mais importantes espaços públicos da história das cidades. Comumente definida como o lugar do encontro, passagem e da sociabilidade. Historicamente é palco de manifestações culturais, sociais, políticas, cívicas, esportivas e religiosas. Sua essência é constituída a partir da história que ela carrega, de seu desenho paisagístico e de seu conjunto urbanístico. A integração entre morfologia, estética e apropriação é que permitem a formação das praças como espaços simbólicos, lugares de memória. (REJANE, 2010, p.2) 
Na Antiguidade greco-romana, a praça era o espaço público de maior importância da cidade e funcionava como seu centro vital.
Com seus diversos significados – funcionais ou morfológicos – a praça representava o espaço de maior vitalidade urbana. Eram espaços referenciais, atuando como ‘marcos visuais’ e como ‘pontos focais’ (LYNCH, 1997) na organização da cidade. Esse status alcançado pela praça ainda se faz presente no imaginário urbano, embora apresentem transformações significativas, as praças representam verdadeiros nós de confluência social e são espaços essenciais ao cotidiano da cidade, assim a praça não pode ser pensada como um objeto isolado, mas como um elemento intrínseco à cidade.
Durante a intervenção, a Praça da República se transformou na “Praça do Cochilo” devido às pessoas que trabalham no comércio da área central de Cuiabá utilizar a mesma para um “cochilo” no horário do almoço. A busca pela praça como lugar de descanso pode ser observado nos intervalos dos horários de almoço do comércio central, e outros que entre uma compra e outra também buscam a sombra da praça por ser mais arborizada e amenizar a sensação térmica criada pela ilha de calor que é essa região central da cidade. Funciona como ponto de encontro de estudantes, funcionários do comércio local, ambulantes, casais, amigos, cada grupo vai se apropriando, deslocando, fixando e desagrupando-se no espaço da praça e seus limites.

 Para que o cochilo se tornasse mais confortável foram distribuídos no perímetro da praça colchonetes, redes, revistas, além de um varal com sombrinhas, sendo as sombrinhas a marca maior da performance. No começo a participação dos que passavam e estavam na praça foi tímida, mas aos poucos mesmo sem entender o que estava acontecendo e o que iria acontecer, as pessoas na maioria estudantes começaram a interagir com o grupo, estendendo varais, distribuindo os objetos pela praça, armando redes e depois se deitando nos colchonetes e redes que ali estavam distribuídos. No dia da intervenção (cinco de julho de dois mil e treze) devido à onda de manifestações que estavam acontecendo em todo o país inclusive em Cuiabá, a maioria das pessoas perguntavam ao grupo o que estariam reivindicando e a resposta sempre era a mesma: nada, não estamos reivindicando nada. Aos poucos as pessoas iam deitando, relaxando, criando um ambiente harmonioso, apesar da disposição dos objetos sem uma organização aparente.
A Praça Alencastro é um lugar de encontro, de fluxos e redes, fluxos de pessoas que vão ao centro, fluxo de comércio, serviços, fluxo das pessoas que são “moradores da praça e aqueles que são moradores interinos. Além dos fluxos existentes, pude perceber a delimitação do território, o que nos remete a idéia de relação de poder trabalhada por Milton Santos (2006). Entre os “moradores” da praça, aquele que chegou primeiro, manda mais, tem determinados privilégios em relação aos que chegam depois. A praça é espaços-síntese da memória urbana de Cuiabá, pois contam a própria história da cidade.
A Praça da República que até então o seu interior era totalmente desconhecido e até ignorado por mim, devido ao receio em adentrar e acontecer algo desagradável, a mesma que já foi palco de fatos históricos importantes em Cuiabá, aos poucos foi se tornando familiar, parece que já havia parado ali, não parecia a primeira experiência em ficar ali naquela praça. O momento em que se instalou o “falatório” e a bacia com água onde as pessoas poderiam escrever e deixar no varal os seus anseios, e na bacia o que elas queriam que se dissolvessem de suas vidas, foi incrível presenciar ali pessoas que acreditavam que realmente aquelas coisas iriam acontecer de verdade em suas vidas. E foi inevitável e incontrolável a vontade de fazer um pedindo igualando-me as pessoas que passavam pela praça.
A experiência da intervenção urbana vivenciada por mim pela primeira vez proporcionou-me aliar teoria a prática, me aproximou de um universo que até então não havia explorado. A partir de então, a praça ganhou um novo significado, um novo olhar. Os estigmas que a praça carregava nas vezes em que passei por ela foram desmistificados no momento em pude adentrar em seu universo.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVAREZ, Maria Esmeralda Ballestero. Organização, Sistemas e Métodos. São Paulo: McGraw Hill, v. 1 e 2, 1991.

BARROS, Rejane Cristina da Silva. Anais XVI Encontro Nacional dos Geógrafos: Crise, Práxis e autonomia: Espaços de Resistência e de Esperanças, Espaços de Diálogos e Práticas. Porto Alegre, 2010.

DEBORD, Guy. Texto publicado no nº. 2 da revista Internacional Situacionista em dezembro de1958.

 LIMA, Evelyn Furquim Werneck; MALEQUE, Miria Roseira. Espaço e Cidade: Conceitos e Leituras. Rio de Janeiro: 7 letras. 2004.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

SANTOS, Milton. Territórios, Territórios: Ensaios sobre Ordenamento Territorial. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

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