quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Movimentos a deriva na cidade: experimentar a ordem urbana.



Gabriel Pereira Faria

A ordem é algo que está dado, convencionado e aceito, senão por todos, pela maioria; este é o império da rotina, do comum, do cotidiano. O pragmatismo, o utilitarismo e a necessidade de sobrevivência, de segurança, bem como, os puritanismos morais e dogmáticos tornam a ação do homem enquanto ser social um tanto mecânico e, não da margem as experimentações, as problematizações do banal, do inesperado e não permite a expressão das sensações, dos afetos. 
A novidade, o inusitado gera espanto justamente porque, seja no macro como no micro se instaura uma nova configuração do momento presente. O extraordinário é algo que está fora da ordem e instaura uma nova ordem, ou ainda, uma ordem que está fora da concepção comum de ordem, ou uma ordem desordenada. O espanto vem pelo fato de quebrar o convencional duro, os padrões de comportamento, as normas de conduta tácitas que atravessa todas as relações sociais de um determinado grupo. Como por exemplo, deitar na praça, homens usando sobrinhas, enfim, qualquer comportamento gera curiosidade. Vivemos na ordem, a arte nos permite experimentar o inusitado, a licença poética nos livra dos determinismos moralistas. A sociedade vê com certos preconceitos, mas parece que se for artista é mais aceitável, ainda que condenem e criticam, alguns.
Nos movimentos a deriva, o que chama a atenção é a forma que experimenta a ordem, experimenta o que está posto e dá uma nova roupagem ao ato simples, ao corriqueiro, ao banal. É transformar em algo extraordinário o banal e corriqueiro. É um ato simples com resultado esplêndido porque ai provoca-se e é provocado, afeta-se e é afetado. E nestas performances está sujeito ao inesperado, ao inusitado, pois, gera tanto prazer quanto à dor; nunca sabemos como o outro vai reagir ao ser afetado, provocado e, quem afeta, quem provoca como vai receber a reação do afetado. O fascínio está na falta de certeza quanto à reação porque na reação tem muitas coisas em jogo, como os princípios, a moralidade, a ordem social a correria do dia a dia e outros mais.
Acreditamos que a couraça, a armadura ou até mesmo a personagem que usamos no dia-a-dia não nos permite a fazer qualquer prognóstico quanto à reação dos outros e até mesmo por vezes as nossas. Até tentamos fazer alguma previsão sobre possíveis comportamentos, mas dificilmente acertamos porque pensamos uma coisa e de repente algo acontece e nos tira o chão e nos deixa atônitos. De uma hora para outra temos que nos refazer e agir de forma totalmente nova e inesperada, por isso estamos em um movimento sempre a deriva. Experimentar a ordem é partir do convencional e não podia ser diferente, contudo, podemos afetar e ser afetado instaurando o extraordinário, o novo e, este novo gera espanto, e este, por sua vez possibilita que cada um apesar da couraça denuncia os afetos que se apossam da sua alma, os impulsos que se apoderam da sua vida. Uns adere a performance como uma novidade, algo diferente e deixa extravasar, dá vazão aos afetos, se envolve, se insere sentindo-se parte da situação; outros também se envolve, adere como uma novidade, porém, com uma aceitação comum mantendo a distância, se colocando como um observador e portanto fora da situação, ainda que de certa forma usufrui da situação, contudo, não se insere.    
Se inserindo ou não no processo, de uma forma ou de outra a performance vem nos convidar ou nos provocar para perceber a cidade ou o nosso meio ambiente em geral; para perceber o que está ali todos os dias e não damos importância, faz parte da nossa vida e não temos como algo extraordinário. A arte através da performance mostra de forma extraordinária o corriqueiro e banal; parece que dá caráter, atribui importância, valor ou denuncia a importância e o valor que a coisa tem e que por causa do utilitarismo, do pragmatismo, da couraça, da armadura foi se esquecendo ou deixaram de ter a sensibilidade  para percebê-las. Ao passageiro e efêmero do cotidiano a arte denuncia a falta de sensibilidade e nos mostra que um simples ato tido como efêmero pode ter uma profundidade, um significado inexorável, e que algo entendido como passageiro pode ser duradouro e tão marcante a vida.     
Estamos convencidos que o processo de criação não é algo fora das relações cotidianas, pelo contrário ela se vale dessas relações. É fato que a criação precisa de liberdade de expressão, as convenções dura fecha e mata o processo, contudo, o processo criativo nos coloca no mesmo patamar do outro. Este outro ao ver, ao assistir participa do processo, tem muito a contribuir. O que causa espanto em muitos é perceber que o processo de criação não é algo de outro mundo, de uma outra esfera, de uma outra realidade, a criação parte das experiências do cotidiano vividas em relação com o seu meio ambiente, desde um ínfimo fato ao mais sofisticado dos acontecimentos. Ao perceber que são capazes de produzir arte, de dar vazão aos afetos, deveriam viver essas experiências possibilitadas pela arte e valorizar o momento do espetáculo, mas pelo contrário, depreciam a arte porque elas se vêem capazes de fazer o que o artista faz; é como que ao perceber que a arte faz parte do seu cotidiano e, portanto, também de vivencias, ela perdesse o encanto de arte ou um lugar reservado a ela. É inusitado Pensar que para alguns, ao que parece, a arte pronta e o artista pertencem a um lugar acima, a uma outra esfera que não esta.         
A arte possibilita ver de outra forma o cotidiano, expressa uma novidade no ordinário. Ela é efêmera e passageira no contemporâneo porque com suas intervenções performática busca criar uma situação, assim convencido com Guy Debord. No caso da república do cochilo na praça e no senadinho criamos uma situação; a situação que criamos foi interferir em um lugar ordenado, corriqueiro, comum, habitual e de certa forma mecânico, ou seja, houve uma quebra do cotidiano, houve uma ruptura, houve uma provocação, uma transgressão pontual. A cultura e dando foco a arte sempre teve um papel de destaque na sociedade, na cidade como forma de trazer às questões, as discussões através de uma nova ótica.
Na ditadura militar brasileira a arte teve um papel de destaque na resistência da ordem instaurada por este regime. Percebe-se ai uma tendência presente em autores como Derrida, Deleuze e Foucault a de transgressão e não mais a de engajamento de toda ordem, política, social e até mesmo na arte. As intervenções performáticas passam a ser um movimento de transgressão do sistema instaurado, enfim, do império da ordem pontualmente. Transgredir pontualmente o cotidiano é criar uma situação, é provocar o corriqueiro de uma forma criativa.      
Convencido com o professor de arte da USP, Antônio Carlos de Araújo Silva, na intervenção urbana deve-se dar vazão ou voz ao risco e a experimentação em detrimento de receituários e formalizações espetaculares. Isso porque não é mais possível uma linha de conduta que seja sempre a mesma em todas as circunstancias. A cidade, o território, a paisagem e as ordens e as normas sociais já trazem consigo os receituários e as formulações por vezes espetaculares; a arte com suas performances nas intervenções urbanas tenta fugir justamente desse império da ordem e provocar com todos os seus riscos novas experiência. Experimentar é possibilitar novas vivencias e novos encontros. As experiências estéticas no deslocamento a deriva está relacionada ao território e à paisagem ao ato de se deslocar enquanto ação artística. As vivencias e os encontros no ato de deslocar são ações artísticas que possibilitam experimentações suscetíveis de provocar mutações e estas é a magia inesperada das intervenções performáticas.

Referencia Bibliográfica:
1.      DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contra, 1998.
2.      DEBORD, Guy; WOLMAN, Gil. Um guia prático para o desvio (1956). Disponível em: HTTP://www.reocitties.com/projetoperiferia4/detour.htmAcesso em 4 julho. 2011.
3.      JACQUES, Paola Berenstein (Org.). Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade/Internacional Situacionista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
4.      Anotações em sala de aula.

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