quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Experiência de uma intervenção na Praça da República em Cuiabá




Neemias Souza Alves

Nas cidades grandes nota-se uma paisagem diferente daquela das cidades do interior. Enquanto a primeira apresenta um trânsito abarrotado de carros, motos, e pedestres na segunda percebe-se poucos veículos pelas ruas e a maioria das pessoas andam a pé ou de bicicleta. Na cidade grande estão realçados os edifícios, avenidas e grandes centros comerciais; enquanto que na cidade pequena tem-se poucos prédios, as ruas são estreitas e pequenos comércios estão espalhados pela cidade. Essas características refletem modos de vida diferentes.
Na cidade grande tudo é muito acelerado. As pessoas estão cada vez mais atarefadas e as suas necessidades não cabem no seu tempo. Corre-se de um lugar a outro em um ritmo que transforma a vida em atividades obrigatórias. Seres humanos tornaram-se escravos do tempo e do trabalho.
A velocidade com que tudo acontece torna mecânico e desatento o nosso olhar sobre a cidade, o que acabou sendo revelado no desenvolvimento de uma atividade de intervenção na Praça da República, na cidade de Cuiabá, quando alunos do mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea, orientados pela professora[1] da disciplina de Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas II: Atrações temporárias: práticas estéticas em espaços urbanos, criaram um ambiente de descanso público, recuperando a ideia da cesta, e que foi denominado de República do Cochilo. Importa entender a praça como um:

[...] lugar intencional do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de práticas sociais, de manifestações da vida urbana e comunitária e de prestígio, e, consequentemente de funções estruturantes e arquiteturas significativas. Lamas (1993, p. 102)

Esta intervenção ocorreu durante o período matutino e vespertino de uma sexta-feira e configurou-se como uma experiência de deriva.

Uma ou várias pessoas que se lançam na deriva renunciam durante um tempo, mais ou menos longo, aos motivos para se deslocar ou agir normalmente em suas relações de trabalho e lazer habituais, para se deixar conduzir pelas solicitações do terreno e pelos encontros que a ele correspondem. Rey apud Debord (2010, p. 111)

            Assim foi possível perceber que a capital de Mato Grosso, que apresenta hoje uma população de mais de 550 mil habitantes e vive em ritmo acelerado, é ainda um lugar com ares de simplicidade, onde o morador de rua ganhou visibilidade, assim como também as pessoas idosas que encontram nos bancos da praça um espaço de conversação.  Alunos que nos transcurso entre casa e escola, acomodam-se pelas muretas e bancos como quem chega em seu território próprio e seguro.     Impossível também não perceber os casais de namorados que fazem do lugar um ponto de encontro. Contudo, eles não pareciam viver as paixões da cidade e do lugar. Tudo parecia monótono, o que nos remete aos situacionistas que valorizam o meio urbano como terreno de ação, de produção de novas formas de intervenção e de luta contra a monotonia, ou ausência de paixão, da vida cotidiana moderna. Jacques (2002, p. 1)
A intervenção estimulou a participação e convidou os sujeitos da praça a manifestarem-se, por escrito, a respeito de diferentes questões. Assim tivemos o Varal do Falatório, onde pessoas registraram desejos e pensamentos que estavam acomodados em seu íntimo. Tais manifestações retrataram demandas que estavam acomodadas a um lugar de não declaração. A atividade permitiu a exposição de sentimentos permeados de grandes angustias, e que foram expressos em palavras chaves, tais como: desigualdade, prepotência, dinheiro, gula, fome, inveja, machismo, amor, etc.
Essa atividade rompeu com o momento de não participação dos cidadãos na construção da cidade, considerando que Cuiabá vive um processo de acelerada urbanização, o que, futuramente exigirá um espírito de interpretação a partir do que apresenta Paola Berenstein Jacques[2]:

 [...] estamos hoje, em um momento de crise da própria noção de cidade, que se torna visível principalmente através das idéias (sic) de não-cidade: seja por congelamento - cidade-museu e patrimonialização desenfreada - seja por difusão - cidade genérica e urbanização generalizada.  (idem)

A partir desta experiência, a praça que víamos sempre pela janela do carro e/ou ônibus e que era o espaço do não-lugar não cria nem identidade singular nem relação, mas sim solidão e similitude conforme descreve Marc Augé (ano, p. 95) tornou-se espaço de congregação e participação.
Em mesma oportunidade, visitamos um grupo de cuiabanos tradicionais que estão instalados próximo à Praça da República, cujo objetivo é discutir a política local e nacional, e que se auto intitula de "os defensores das reminiscências cuiabanas". O local é denominado de Senadinho.

A turma do Senadinho é composta por um grupo de 31 pessoas, aposentados e representantes de diversas áreas do segmento econômico e social de Cuiabá. Há mais de 40 anos eles se reúnem na garagem da casa de Oriente Tenuta, o fundador, já falecido. A esposa de Oriente Tenuta, dona Elza Tenuta, é a presidente e única a mulher do grupo.[3]

Esse grupo contrasta com os sujeitos da praça. Eles já não estão na condição de simples espectadores a construtores, transformadores e "vivedores" de seus próprios espaços, o que contrariaria qualquer tipo de espetacularização urbana. Jacques (2002, p. 5) Os contrastes advindos da participação sócio-política das pessoas e grupos que vivem a cidade mostram-se mais visíveis quando há disposição para a conversa e para a vivência das paixões, é o que ocorre com  grupo do Senadinho.
            A praça se mostrou como local de transeuntes e de pessoas que fazem dela um lugar transitório ou permanente. A intervenção foi efêmera mas nem por isso deixou de gerar ressonâncias.






BIBLIOGRAFIA

AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. PEREIRA, Maria Lúcia (trad.) Campinas, SP: Papirus, 1994. (Coleção travessia do Século).

JACQUES, P. B. . Urbanismo à deriva: pensamento crítico situacionista. In: VII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, 2002, Salvador, 2002.
                                                                
LAMAS, J. M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. 3 ed. Porto - Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian; Fundação para a Ciência e Tecnologia, 1993. (Textos Universitários e Ciências Sociais e Humana).

SILVA, Regina Helena Alves da. Cartografias Urbanas: construindo uma metodologia de apreensão dos usos e apropriações dos espaços da cidade. Visões Urbanas - Cadernos PPG-AU/FAUFBA Vol.V - Número Especial – 2008.

REY, Sandra. Caminhar: experiência estética, desdobramento digital. Tradução: Daniela Kern. Revista Porto Arte: Porto Alegre, v. 17, nº 29, novembro 2010.


[1] Prof.ª Dr.ª Maria Thereza Azevedo.
[2] Paola Berenstein Jacques é professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia. É pesquisadora do CNPq e coordena o grupo de pesquisa Laboratório Urbano.
[3] Disponível em: http://caminhopolitico.blogspot.com.br/2012/08/mauro-mendes-e-recebido-pelo-senadinho.html Acesso em: 09 ago. 2013.

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