quarta-feira, 14 de agosto de 2013

NORMAL E ANORMAL NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA



                    
Luciano Martins Barbosa 

             À intervenção na Praça da República foi de suma importância para despertar o olhar  diagnóstico. Seguindo a linha focaultiana do diagnosticar para pensar,  iremos comentar aqui,  a valoração do normal em detrimento do anormal. De acordo com a citação abaixo, a norma, a  regra  são as responsáveis por estipular e  por escalonar os anormais. “(...) o anormal está na norma, é previsto nela, julgado e encaminhado por ela, e seu segmento é desdobrado em uma variedade de tipos e subtipos” (MARQUEZAN, 2009, p. 110).


            Entendemos que é na validação de uma norma, que esta  a medida padronizada para escalonar as pessoas em normais ou anormais, ou seja, se está de acordo com uma regra, então é normal , agora caso esteja fora do padrão é marcada como anormal. Isto é, ela deve estar em um justo meio, não podendo estar em nenhum dos extremos, não pode existir  carência nem excesso no comportamento ou na conduta. Agora regulamentar, normatizar, classificar  um estado,  defini-lo como anormal por meio do excesso ou da falta é defender o caráter de regra, de cálculo de um estado valorado, conceituado e convencionado e definido  como normal. (CANGUILHEM, 2000, p. 36).
            Quando falamos em normatizar, em regra, não estamos referindo a lei jurídica , ela não está relacionada ao direito para Foucault e  sim à medicina, essa detinha o poder de segregar pessoas, caso  não seguissem as regras que determinam o "ser normal" A Nau dos Loucos, representa bem isso que estamos falando, onde a expulsão dessas pessoas onde não encaixavam nos padrões vigentes da época como "normais", sendo assim, eram extirpadas do convívio social, para fora da cidade em barcas.

Hieronymus Bosch. Nau dos insensatos, c.1490

            Hoje a exclusão na pós-modernidade, possui dois viés ou  produzimos ou  consumimos e os que não encaixam em nenhum desses polos, são os excluídos. De acordo com Bauman (2007,p.26) a vida líquida na contemporaneamente representa a fugacidade,  consumismo , relações instáveis, etc. Então, consumir é importante para ser aceito na sociedade. Na pós-modernidade o consumo está relacionado com reconhecimento social; então, os desocupados, os ociosos a sociedade entende que não tem valor, isso ficou refletido nas ações de algumas pessoas, com seu olhar de desprezo gestos de reprovação, ao ver pessoas deleitando e contemplando  a Praça da República em horário entendido pelo capitalismo de "comercial", ou seja, é uma metáfora para dizer " não estão trabalhando, não estão produzindo, não estão consumindo" então; são desocupados, derrotados, fracassados, são lixos sociais.
            Antes se excluíam os loucos para fora das cidades em barcas e hoje excluem os que não produzem ou os que não consomem, se não faz parte deste ciclo  são anormais, mas agora não é mais a medicina que vai julgá-los  mas o sistema econômico. A sociedade está condicionada pela prática, pelo uso e serventia dos instrumentos e pessoas. Isto é, não sabemos quem é o outro, nem sabemos explicar quem somos, a não ser pelo que fazemos, pelo uso, pela tarefa que desempenhamos na sociedade, sendo assim, se não elaboramos, se não produzimos, se não consumimos, se não funcionalizamos a nossa existência, em um serve para que, deixamos de ter reconhecimento social até de nós mesmos.
             Não podemos  permanecer com essa lógica no mundo, de valorar o outro pela sua utilidade social, pois de acordo com o pensamento heideggeriano não tendo acesso ao ser nunca chegaremos a conhecer o que é um objeto na sua autenticidade, sendo assim, ficaríamos presos a um conceito falso, alicerçado na instrumentalidade que esse objeto presta ao mundo. Seguindo essa ideia, por estarmos condicionado a não conhecer os objetos fora do uso que desempenha deslocamos essa conceituação para as pessoas também, ela é a função que desempenha, se está fora dessa funcionalidade de trabalho, produção e consumo é valorada socialmente como desocupada, fracassada, derrotada, etc. Afinal, o que somos se excluirmos a nossa funcionalidade? Será que não precisamos desfuncionalizar essa lógica do pensamento do adestramento do servir para alguma coisa?  São algumas questões para pensarmos. Essa falta de função de algumas pessoas na  praça, mostrou liberdade, pois o relógio, o tempo,  não passa de acessório em uma existência em constante devir, mudança.
            Talvez, a arte possa nos brindar com outras possibilidades de ser, de existir, fora desse condicionamento da serventia e da utilidade, mas para isso devemos descondicionar o pensamento dessa lógica do uso e do pragmatismo, precisa, então ser afetado por outras aberturas, por outras sensações, desterritorializar pelas linhas de fuga que foge das amarras de um pensamento ordenador, dando vazão a um turbilhão de sensações onde uma é cada vez mais violenta do que a outra. O sentir, a sensação é fundamental é isso que sentimos nessa intervenção no Senadinho e na Praça da República.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências  humanas.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999

______. Vida líquida; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

CANGUILHEM,  Georges.  O  Normal  e  o  Patológico.  Tradução  de  BARROCAS,  Maria Thereza  de  Carvalho;  LEITE,  Luiz  Octavio  Ferreira  Barreto.      ed.-  Rio  de  Janeiro: Forense Universitária, 2000.
FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. São Paulo, Ed Paz e Terra, 3º semestre 1988.
______. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Ed. Vozes, 8ª ed.1991.
______. A Verdade e as formas Jurídicas. Rio de Janeiro: NAU Editora, 1996.
______. O Nascimento da Clínica. Editora Forense Universitária, 4ª Ed, 1994.
_______ Os Anormais. Curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2002.


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