quinta-feira, 15 de agosto de 2013

PERFORMANCES E INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS NO ESPAÇO URBANO


Viviane Tchalian
Com o intuito de finalizar uma disciplina de Poéticas Contemporâneas: Atrações temporárias, estéticas emergentes na cidade, nos foi proposta uma atividade de intervenção artística no centro de Cuiabá. Já enquanto elencávamos as possíveis localidades, formatos e intenções, era possível sentir certa palpitação no peito. Fato é que ao criar-se uma performance artística em forma de intervenção urbana além de pensar em detalhes próprios da obra, há de se considerar um elemento chave para esse tipo de atividade: o público, e obviamente, sua relação com a obra e o(s)/a(s) artista(s). "Na performance, a presença do espectador é requerida, não como um espectador a posteriori, mas como parte da obra, enquanto elemento estético da obra. (MEDEIROS, 2005 pg.137)

Este processo de criação nos possibilitou reflexões acerca do conceito de performance, sobre a realidade da cidade onde vivemos e sobre a relação que nós mesmas (os) temos com esta cidade. Em qualquer obra de arte, o processo criativo é algo a ser considerado como parte fundamental da obra, algo a ser considerado, inclusive, parte da obra. Sobre isso Cecília Almeida Salles enfatiza, O processo criativo é palco de uma relação densa entre o artista e os meios por ele selecionados, que envolve resistência, flexibilidade e domínio. Isto significa uma troca recíproca de influências. (Salles, 1998 p.72) e, no caso das nossas aulas, esse processo fez-se presente de forma colaborativa, o que, a meu ver, intensificou ainda mais a experiência, pois, ao investigar lugares, analisar fotografias de espaços urbanos que fazem parte do nosso cotidiano, tivemos a oportunidade de pensar tais lugares sob outras óticas, outras formas de pensar, ao agregarmos várias (os) autoras (es) à obra, agregamos vários mundos à ela. Esse processo compartilhado entre colegas de um programa de mestrado multidisciplinar, compreendendo pessoas de diversas áreas de formação, mostrou-se muito rico e produtivo.

SENADINHO: POLÍTICA E UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO.

Ao chegarmos à localidade escolhida nos deparamos com uma pequena reunião de senhores, sentados em cadeiras espalhadas pela calçada, no número 330 na Rua Cândido Mariano, próximo à antiga casa dos governadores, ponto histórico da capital. Esses senhores representam uma tradição bem particular da vida cuiabana. Há trinta anos eles, todos esbanjam histórias sobre uma Cuiabá antiga, diferente, nem melhor nem pior, apenas uma Cuiabá que as gerações mais recentes desconhecem. Eles se reunem de segunda à sexta feira, à partir das 6 horas, para discutir aspectos políticos, cotidianos e particulares da vida na cidade, da situação econômica e, inclusive, algumas fofocas das pessoas conhecidas na capital.  Além da surpresa que foi ver esses senhores que lembram de certo modo nossos avós, um pouco misturados com figuras de livros de história matogrossense, talvez o maoir impacto tenha sido a recepção que tivemos. Ao verem uma pequena multidão de sombrinhas coloridas, esses alegres e falantes senhores se abriram seus sorrisos de boas vindas ao grupo de estudantes que ali chegava.
O nosso grupo logo foi se aconchegando em meios às cadeiras, histórias e pedestres que ali passavam e olhavam, curiosos, aquela atípica reunião que ignorava idade, sexo, religião e posicionamentos políticos. Estávamos todas (os) alí afim de absorver o máximo possível daquele encontro.
Dentre os assuntos que alí apiavam, os mais cotados foram as mudanças atuais ocorridas na cidade, em sua maioria por ser esta uma das sedes da Copa do Mundo, as mudanças no cenário político e as manifestações militantes que também chegaram à Cuiabá. Mais surpreendente que os assuntos em si, foram as reações e opiniões expressadas por aqueles senhores. Todos compartilhavam um certo ânimo ao ver os jovens se movimentando, tentando mudanças efetivas em nossa sociedade. A forma como foram abordadas estas questões me trouxe certa calma e esperança de que seja possível, realmente, um diálogo entre gerações, diálogo esse livre de julgamentos, com o intuito apenas de trocar experiências. E foi isto que vivenciamos juntamente com esse grupo especial de senhores que também se incomodam, revoltam e se indignam com a situação da capital matogrossense e do país.
 
 
 

Essa experiência em arte e, também, na cidade onde vivo há oito anos, me trouxe algumas percepções que me fizeram muito feliz, primeiramente pela possibilidade de troca de experiências com uma geração que tem cerca de cinquenta anos de diferença para com a minha, pertencente a uma cidade que não é minha cidade de origem, foi muito rica. A forma como fui recebid@ foi bastante surpreendente também, imaginei que, por se tratar de senhores de idade avançada, acostumados com alguns valores, haveria certa resistência com relação à minha imagem ( andrógena, moicano, tatuagens, alargadores e piercings), mas ao contrário, fui muito bem recebid@, pude trocar muitas figurinhas e conhecer uma realidade bastante diferente do que conhecia até este encontro.
Concluo assim, que ao utilizarmos dos espaços públicos, cotidianos, ao habitarmos de fato nossa cidade, criamos possiveis encontros, possíveis situações que colocam em destaque a própria cidade, a forma como as pessoas vivem nela e as transformações que se dão ao longo do tempo. Além disso, ao levarmos uma obra de arte, uma performance às ruas, aproximamos universo artístico, acadêmico e a população, enriquecendo assim a vivência nesses espaços.

BIBLIOGRAFIA
MEDEIROS, Maria Beatriz de. Aesthesis: estética, educação e comunidades. Chapecó : Argos 2005.

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo : Annablume 1998.

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